sexta-feira, novembro 24, 2006

Som e Fumaça

Cena 1: O ônibus da Santo Anjo de Florianópolis para Porto Alegre é de um luxo de primeiro mundo. Tem dois andares. No andar de baixo existem poucas poltronas, sendo uma espécie de classe executiva. As poltronas são leitos, a rodo-moça oferece travesseiros, cobertores, cafezinho, balas. A idéia é que possamos repousar nessa longa viagem. Uma das fileiras é composta somente de uma poltrona e a outra é dupla. Disseram-me ser o andar de cima quase tão bom quanto o de baixo. Não sei, porque escolhemos viajar em alto estilo daquela vez. Escolhemos o andar de baixo. Duas poltronas para trás estava ele: o vendedor de automóveis. Sozinho. Alto, forte e com uma voz e uma desinibição proporcional ao seu tamanho. Pois o homem deu em negociar nas quatro horas que passamos juntos. Berrava no telefone portátil como se o interlocutor estivesse surdo e ele estivesse falando naqueles velhos telefones de manivela dos anos 50. Soubemos então que o Seu Aristides era um comprador exigente e queria saber dos detalhes do carro que o vendedor lhe havia oferecido. Passamos a conhecer todos os detalhes. Todo o vagão. O moço berrava com um volume inacreditável. E dava telefonemas um atrás do outro. Para diversos compradores. Meu Ipod e fones de ouvido não conseguiam barrar os negócios do moço, nem com a voz do Tom Waits. A menos que eu colocasse um volume não recomendado pelos médicos. Ler era impossível, pois as notícias confundiam-se com as palavras ouvidas em alto e bom som. Ele dormiu mais tarde. Por quinze minutos. Depois voltou à labuta. Até Porto alegre onde desembarcou – falando ao telefone enquanto apanhava as malas. Trabalhador o rapaz!

Cena 2: Vamos tomar um cafezinho depois do almoço no Blues Café. Sentamos, pedimos e estamos prontos para colocar os assuntos em dia. Na mesa ao lado, um senhor se diverte ao telefone. Ri conta piadas que ele acha engraçadissimas, faz observações espirituosas ao amigo. Sua voz e assuntos dominam a pequena sala onde estamos. Ele olha para todos como querendo aprovação pelo que acabou de dizer – com um sorriso simplório. Não podemos aprovar, pois não sabemos o que disse o interlocutor. Tomamos o café em silêncio mútuo, torcendo que a conversa acabe logo. Acaba. Ele paga, levanta-se e vai embora. Acho que estava mesmo querendo socializar a conversa.

Cena 3: Viagem Rio Grande-Porto Alegre. Presente um executivo que eu desconhecia até aquela viagem. Depois dela, sei que trabalha em uma empresa de madeira, que suas máquinas importadas estavam em atraso, que seu empregado era um incompetente que devia ser despedido, que sua mulher iria ao cabeleireiro naquela tarde, aprontando-se para uma festa que teriam à noite, que o Júnior estava indo mal na escola, que ele é do tipo centralizador que dá instruções técnicas detalhadas aos seus técnicos sobre a regulagem dos equipamentos da empresa, que fala inglês mal e que pode ter problemas de próstata (isso eu não soube pelos telefonemas, mas pelo número de vezes que ele foi ao banheiro). Não que eu seja bisbilhoteiro, mas o homem estava falando alto. E era uma viagem noturna. E os pobres passageiros queriam dormir. Minha vingança veio quando o motorista ligou um maravilhoso DVD com uma comédia americana imbecilissima, com som alto e...dublado. O homem ficou incomodado. Deve ter perdido alguns dólares por causa daquele filme.

Quem manda a gente ser pobre e ter que usar os coletivos.

Mas sonho com o dia em que o som terá o mesmo tratamento da fumaça, sendo banido, reprimido, execrado dos lugares fechados. Já imagino os franceses criando uma lei para o uso dos telefones móveis e sendo imitado pelos Estados Unidos e, logo, sendo bom para o Brasil. O que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Acho que vou inventar um boato que o som não autorizado causa surdez passiva e mandar como SPAM pela Internet.

10 comentários:

Anônimo disse...

Bah Taba, perfeito teu texto! Essas conversações pelo celular realmente incomodam. E o pior é que a gente nem quer saber da história dessas figuras. Antigamente as pessoas falavam alto no celular porque a ligação não era tão boa, mas muito mais que isso, era pra se exibir, pois pouca gente tinha. Agora que tudo mundo tem (até guardador de carro) a questão é falta de educação mesmo. E é uma pena que essas conversas sempre sejam de negócios (problemas) e faladas num português (ou num inglês brabo). Espero um dia ouvir poesia ou uma bela declaração de amor, pelo menos isso, se for inevitável ouvir, que seja um bom texto!

Celso R. disse...

Antes de qualquer coisa, de tudo e de mais nada, a questão é: "como saber se o sujeito ao telemóvel (é mais fácil que "telefone portátil", não acha?) não está fingindo?

Bom, aí vem a segunda questão que eu me faço, sempre: se não dá pra saber se o cara está fingindo ou não, por que é que todo mundo me olha com uma cara de espanto (e desaprovação) quando eu me ponho a falar em voz alta comigo mesmo, em casa, na rua ou no trabalho?

Melhoraria se eu fingisse estar falando ao telemóvel? Ah, bom, aí pode?

Diz que numa pegadinha dessas para a TV, um ator, numa sala de espera de consultório, punha-se a despir-se, até ficar só com a roupa de baixo. Os demais presentes, depois de um tempo, passavam a fazer o mesmo, ainda que sem saber com que propósito [citado por PINKER, in "Tabula rasa", Cia das Letras].

É o abandono às circunstâncias: estou com um celular, vou falar e falar, afinal, serve prá isso, e ninguem tem nada com isso. É para se exibir ou exibir seus assuntos? Também, mas também prá garantir que se segue um comportamento de grupo. Quem, eu? Eu não sou diferente. Eu tenho celular. Logo, posso falar alto e sozinho. É, assim, igual e dialeticamente, um objeto-passe para o comportamento desviante.

Enfim, parece que mais complexo que o celular-signo-símbolo, só o governo Lula.

Karen Lose disse...

OI Tabá! Parece que tu lês pensamentos!!!!!!! O problema do "som" em viagens me incomoda muito e há muito tempo! Viajo bastante de ônibus, na verdade, viajo diariamente, umas 2 a 3 vezes no dia, fora as idas e vindas à Rio Grande nos maravilhosos Penhas caindo aos pedaços. Nessas minhas idas e vindas já fiquei sabendo de histórias mil, de adultérios a problemas com vizinhos! Já ouvi de tudo, inclusive sobre pessoas que eu conheço, pois nos Planaltos da vida, indo ou vindo de POA, sempre tem um conhecido, ou um conhecido de um conhecido no ônibus. E o pior de tudo...eu não queria saber da vida dessas pessoas, mas não dava pra não prestar atenção! Algumas vezes a conversa nem é ao celular, é com o vizinho de poltrona. As pessoas sentam no banco do ônibus e pensam que estão no divã de um analista!! Contam toda vida em 40 minutos!! E os outros 40 ocupantes do ônibus são praticamente obrigados a escutar as confissões (e sem a obrigação do sigilo de confissão)! A vida da pessoa passa a ser de domínio público! hehehe!
Mas tem uma outra coisa que me incomoda muito: as músicas que somos obrigados a escutar nos coletivos! Meu Deus...é um estupro auditivo! As vezes fico até tentada a descer algumas paradas antes só pra não ter que escutar algumas "pérolas" da nossa MPB! É por essas e outras que comprei um Ipod...já que não dá pra deixar de usar o ônibus! hehehehe
Um abração!

Anônimo disse...

Tabá

Penso que abordaste um tema que incomoda a muita gente mesmo. Que coisa!
O pior é que os incomodados, dentre os quais me inclui, podem lançar os olhares mais ameaçadores e intimidadores possiveis, que não surte o menor efeito. Não sei por quê, mas quando meu celular toca e estou em lugar público, sinto-me quase envergonhada, falo o mais baixo possível, justamente pela preocupação em não perturbar o silêncio ou o "som ambiente". Pergunto-me o que faz com algumas criaturas exponham sua vida com tanto prazer e continência nenhuma.
É algo a se pensar.
Abraço
Cintia

Anônimo disse...

Tabá

Eu de novo. Só para registrar que aprovei a substituição da tua foto na apresentação do blog. Vá lá que a Fernanda seja uma boa fotógrafa, mas que o modelo em questão tem lá seu charme, isto é inegável.
beijo
Cintia

Anônimo disse...

Vira e mexe a reflexão sobre público e privado/íntimo/pessoal nos atropela. Penso que as pessoas que necessitam "bradar" suas vidas... necessitam de eterno protagonismo e esta é a grande fragilidade. Coitados e coitadas... e coitados dos/das que estão por perto.
P.S. Finalmente "a do espumante" deu "sua graça"... eheheheh!

Anônimo disse...

Se enviares esse SPAM pelo Orkut, com certeza irá dar certo.

Anônimo disse...

Oi Taba... Adorei este texto... Amanhã estarei pegando um ônibus e indo prá Rio Grande... Nossa faz tempo que não faço isso e até me arrepiei de pensar que um chato desses pode sentar do meu lado, hahaha
Enfim, estou indo dar uma palestra no evento da pós da Eng. de Alimentos. Quem sabe nos cruzamos por aí, apesar de que meu "vôo" vai ser rápido pq chegarei amanhã bem tarde e volto no fim da tarde de quarta... Bom, é isso aí... depois digo como foi a viagem! Beijoooos

Anônimo disse...

Oi,

Essa foi a primeira diferença que nos chamou atenção nos restaurantes da Suécia enquanto estávamos lá: o silêncio. E que diferença! Não que as pessoas não falassem, todas as pessoas das mesas conversavam entre si, mas elas não necessitavam que as pessoas da mesa ao lado (ou cinco mesas depois) soubessem do que elas falavam. O restaurante podia estar lotado, e mesmo assim a gente conseguia falar com quem estivesse conosco normalmente, sem ter perdido a voz ao fim da noite para que o outro pudesse nos escutar. Logo que voltamos, não conseguia falar com as pessoas nos restaurantes, e às vezes chegava a sair com dor de cabeça. Espero que as pessoas aprendam que é possível conversar e ser ouvida sem ter que berrar.
Abraços,
Giovana

Anônimo disse...

alô Taba...
tudo isso cabe perfeitamente no "como explicar...)
é mole ou queres mais?
abraço, Aderbal