Ao ingressar na carreira política o candidato há de ter em mente que irá servir a uma causa justíssima.
Que outra causa mais nobre e justa haverá sobre a face desta Terra que a própria sobrevivência?
Deste modo, todo o candidato à política deve inicialmente colocar de lado todos os pensamentos idealizados, infantilmente aprendidos, tais como servir à sociedade ou melhorar a vida dos outros. Não há como pensar em tais devaneios enquanto a própria vida está carente de desejos e metas pessoais.
Há de parecer ao leitor mais incauto que estas instruções sejam de todo desumanas, mas ao final dos resultados, ver-se-á que são objetivas e funcionais.
Da Candidatura: A candidatura é a etapa mais sofrida para o candidato. Aqui ele deverá fazer concessões, sejam de ordem física, sejam de ordem filosófica. Para começar uma campanha eleitoral custa os olhos da cara, sendo preciso arranjar bastante dinheiro para a propaganda. Para conseguir dinheiro não há outra maneira senão tirá-lo de quem o possui. Na moderna sociedade, o erário estará concentrado nas mãos de quem explora o trabalho dos outros. Estes, por sua vez, sempre terão necessidade de políticos que façam passar leis que os beneficiem. Assim é questão do candidato buscar informação sobre exploradores que desejam leis e oferecer seus futuros préstimos. Não é difícil de encontrá-los, pois são eles explícitos em suas metas. Uma alternativa é associar-se ao governo da situação, desde que este não esteja em barco que naufraga. Neste caso o candidato poderá utilizar a máquina pública, como faz o governo. Se tiver dinheiro suficiente, o candidato poderá contratar um especialista em propaganda de mercado. Estes profissionais são muito eficientes em forjar imagens adequadas aos desejos da plebe ignara. Se não puder, então deverá contar com sua própria imaginação. Visitas a vilas pobres são altamente recomendadas. O bom candidato irá prevenido com suficientes quinquilharias, hoje em dia fartamente oferecidas nos camelódromos por preço irrisório, tais como Cds ou DVDs de duplas sertanejas e pagodeiros, óculos de aumento, perfumes baratos, telefones de mesa e relógios com passarinhos que cantam na hora certa. Caso possua um profissional de sua confiança, o candidato poderá valer-se de oferecer dentaduras sob medida, pois os pobres sempre estão precisando. Ranchos com cestas básicas podem ser distribuídos, mesmo que a lei eleitoral não permita, subornando, é claro, o fiscal. Eventualmente em tais visitas o candidato deverá se submeter a suplícios gastronômicos decorrentes de ofertas da dona da casa. Buchadas de bode, pastéis gordurosos, sucos em pó e tubaínas são esperados. Este sacrifício deverá ser suportado com paciência e olhar fixo no objetivo final. O candidato deve sempre prometer melhorar a vida destas pessoas, mesmo que seja uma mentira deslavada. Não há risco. Estas pessoas já foram enganadas por muitos anos em muitas eleições anteriores e sempre voltam a acreditar nas promessas, porque precisam delas para ter esperança de viver.
Da comunicação com o eleitor: Ao político é dada a prerrogativa de mentir profissionalmente. Seus eleitores esperam que ele minta, dê falsas esperanças a eles. Caso ele resolva ser verdadeiro e franco, são diminutas estatisticamente as chances dele continuar na profissão. Existem exceções, é claro, mas todas elas, são de políticos de pouca expressão e poucos recursos financeiros.
Portanto, ao político desejoso de eficiência e longevidade é aconselhável treinar as técnicas de comunicação individual e de massa que lhe permitam saber o que deseja o eleitor, para que possa prometer a ele seus sonhos, seus desejos, com tal arte que haveria convicção de ambas as partes - tanto do político quanto do eleitor.
Da disputa eleitoral: A disputa eleitoral é sabidamente uma competição selvagem pela sobrevivência, tanto do indivíduo quanto do partido. Assim, é senso comum que golpes certeiros devem ser aplicados ao adversário, porquanto a sobrevivência dele significa o perecimento próprio. Não há regras definidas, como em qualquer esporte, para onde como e quando tais golpes devem ser aplicados. Mais vale associar-se a disputa eleitoral aos golpes de um vale-tudo, pois tudo é válido. Não há cintura para baixo, nem partes pudendas que estejam livres do ataque adversário. Aqui valerá a inventividade, a criatividade, na elaboração de estratégias destruidoras, tanto pelo uso da psicologia, quanto pelo uso da chantagem. Por exemplo, caso o adversário seja nascido em algum lugar suspeito ao senso comum, poderá o adversário expor tal fato com segurança, uma vez que ele jamais poderá deixar de ser oriundo daquele lugar. Acusações de que fulano nasceu no Nordeste brasileiro, ou que fulana deixou de nascer no nobre estado gaúcho, podem ser usadas nas acusações de forma contundente. Caso, ainda, o adversário faça parte de grupos minoritários, alvos do preconceito popular, esse é um trunfo precioso. Imputações de negritude ou feminismo não estão sendo mais utilizadas na política moderna, por terem sido consideradas como politicamente incorretas.
Ao político esperto e bem financiado, há sempre a possibilidade de vasculhar a vida pregressa do adversário, pois é certo, por ser humano, encontrarem-se falhas de caráter ético na vida de qualquer pessoa. Se tal não acontecer, uma boa pesquisa trará, mesmo assim, informações suficientes para que seja montada uma estória altamente convincente, da qual o próprio adversário terá dúvidas.
Do resultado final:
a) Se eleito, o candidato deverá fazer tudo aquilo que lhe for conveniente. Pelo menos até o ano da próxima eleição, quando poderá cumprir alguns pontos mais vistosos de sua plataforma, para garantir a sua reeleição e/ou a eleição de seus parceiros partidários, que deverão arrumar a sua vida futura.
b) Caso não seja eleito, o político deverá se valer de suas relações para manter-se ligado às esferas do poder, seja de situação ou de oposição.
c) Se durante o mandato o político for pego com a boca na botija, ou seja, prevaricando com o erário público, ele deverá negar de pés juntos, por sua santa mãezinha, por esta terra que lhe há de comer e, não menos importante, por sua avó, que ele desejará que caia dura, se a acusação for verdadeira. Nunca, jamais, admitir.
d) O bom político deverá aproveitar o seu mandato para conhecer novas terras, educar-se, aproveitar a vida que é curta, tomar bons vinhos, construir a casa dos seus sonhos, cuidar de sua família, empregar seus parentes para reforçar a renda familiar, nunca esquecendo no entanto de dar expediente semanal na repartição. Afinal, nada é de graça. Pensar na aposentadoria pode ajudar.
5 comentários:
Muito boa. O espírito Swftiano continua vivo e em boas mãos.
grande taba: buenas
estás cheinho de razão, o alemão tem razão.
como se faz para mudar, se esta situação já perdura por 506 anos?
se alguem souber ( mas não pode demorar muito tempo) me diga.
aderbal
Amigo Tabajara
Gostei muito, como sempre. Como estamos em eleições, é bem oportuno. Espelha muito bem o que acontece por aqui. Especulo se o mesmo 'espírito político' seria 'universal'. Como são os políticos americanos, ingleses, mexicanos ? Ao menos em termos de buchada de bode, somos inéditos ...
Abraço
Theodoro
Ando muito desesperançada com tudo isso... Será que algum dia aprenderemos a viver coletivamente a partir de nossas singularidades? Talvez a única esperança (preciso reconstruí-la cotidianamente) esteja em reaprendermos a nos organizar na esfera pública a partir da falência das instituições e da identidades. O caos pode ser criativo... se assim o quisermos. Como podemos ressignificar público e privado?
O que andas pensando a respeito, Tabá anarquista?
Grande beijo
Concordo com muitos dos pontos expostos, mas percebo uma maior vontade de mudança por parte do povo.
Acredito que tal vontade seja alimentada, pelo menos em parte, por um maior acesso a informações.
Tenho certeza de que grandes mudanças só irão ocorrer se um dia a grande maioria do povo tiver acesso à um ensino de qualidade que instigue as pessoas a pensarem por si mesmas de forma crítica e buscarem informações valendo-se de ferramentas cada vez mais populares, como é o caso da Internet.
Esse discurso de "ensino que instigue a pensar por sí mesmo" é velho... Hoje tenho 26 anos e eu já escutava essa ladainha desde que estava sendo alfabetizado. A grande verdade é que o ensino fundamental e médio no Brasil é uma piada (tanto o público quanto o particular).
A prova disso é que mesmo fazendo trocentos anos de inglês no colégio, a maioria dos alunos se forma sem ser capaz de ler um texto simples em inglês, a própria existência dos cursinhos pré-vestibulares e o grande número de Brasileiros que utilizam a internet apenas para trocar e-mails de mulher pelada, mensagens religiosas e morais duvidosas e piadas de mau gosto, postar fotos do próprio rosto em flogs, colecionar conhecidos no orkut e demais atividades fúteis desprovidas de qualquer processo criativo.
Postar um comentário