
Talvez nossa crença cristã seja uma parte da explicação.
Talvez seja apenas uma forma rápida, em nossa cultura, de manutenção de poder. Quando dizemos que alguém é culpado por um erro, essa pessoa já está preparada culturalmente para aceitar a acusação e com isso conseguimos diminuir sua força de reação e a dominamos. Percebo que alguns pais utilizam essa forma de coação com seus filhos, fazendo-os sentir culpa, obtendo sua aquiescência rapidamente.
Quando penso que nossas decisões podem ou não ter sucesso, podem ou não estar erradas, dependendo de um ambiente mais ou menos favorável para tal, acho que deveríamos banir a palavra culpa de nosso vocabulário e substituí-la pela palavra responsabilidade.
A diferença é que a palavra culpa carrega em si um julgamento definitivo. Quem a ouve, por voz interna ou externa, já foi julgado e condenado. Enquanto que a palavra responsabilidade traz margem de tolerância, está aberta à discussão, dá o benefício da dúvida no julgamento.
Não é só isso: a palavra culpa, por ser definitiva, retira de quem a recebe a necessidade de uma ação reparadora. É culpado e pronto, isso basta – já é uma carga de remissão do pecado, do erro. Já a palavra responsabilidade tem como conseqüência uma promessa velada de ação por parte de quem errou, para consertar o erro. É pró-ativa.
Se eu admitir responsabilidade sobre meus erros, então devo fazer alguma coisa para compensá-los e me sinto no comando. Se eu admitir culpabilidade, fico deprimido e inativo, portanto alguém mais deverá consertar o que foi errado por minha decisão, pois não tenho energia para isso, já paguei pelo erro, recebendo a acusação e não estou no comando.
Considerando que a evolução da vida é baseada em erros, nossa relação natural e inteligente (no sentido da manutenção da vida) deveria ser lidar com os erros com responsabilidade. Explico: se entendi bem o que me explicaram, é a cópia malfeita (errada) dos genes que permitiu o teste daqueles genes que acabaram se mostrando superiores em sobrevivência, de cuja associação evoluiu o corpo humano. Ou seja, nós somos produtos de genes mal copiados. Se a história está correta, parece-me ainda mais importante que abandonemos a busca da perfeição e passemos a admitir nossos erros como aprendizado e evolução. Errar é natural, portanto. Reconhecer um erro e aprender com ele é uma virtude.
Acho que deveríamos lidar com os erros como um gato lida com um rato: reconhece-o, apanha-o, examina-o, mastiga-o, engole-o e digere-o. Alimenta-se dele.
A variação é produto do erro. A variação deve ser considerada benéfica. A vida seria uma chatice sem variação. A diversidade de raças, culturas, cores, cheiros, peles, pensamentos é que permitiu a disseminação da espécie humana pelo Planeta e a tornou mais provável de continuar existindo. Uma catástrofe moderada em um país, não garante a extinção da nossa espécie, pois não estamos concentrados em um ponto específico do globo, como o mico-leão dourado.
É o erro, afinal, que garante a vida humana. Somos, portanto, responsáveis por lidar bem com ele.
A vida, enfim, é probabilística e não matemática.
8 comentários:
Muito bom Taba!
Estou exposta a novas situacoes e com certeza verei meu desempenho de outro angulo agora.
Existem tambem as expectativas, nao superar uma expectativa de outra pessoa muitas vezes nos leva a sentir culpa. Mas porque??? Foi o outro que criou expectativa!!
Caro Tabá,
...fiquei pensado se ruminar sobre os erros e culpas não acabaria levando-nos para a idéia de que não existe uma única maneira certa de viver. Daí o porquê de sentirmos tanta culpa?
Talvez culpa, medo de errar também sejam coisas que injetaram em nossas cabeças quando estas começavam em seus promeiros pensametos.
O jeito é retirá-los então. Ou como propões: substituir pela responsabilidade.
Abraço.
Oi Taba querido, sempre com bons temas para nossas mentes renovarem suas idéias...
pois é, tema difícil...
consegues mesmo fazer isso que disseste com teus erros? "reconhece-o, apanha-o, examina-o, mastiga-o, engole-o e digere-o"
olha, têm uns que eu cheguei até a etapa do engolir, mas ta dificil digerir, mesmo depois de anos...
fico tipo ruminante, as lembranças dos erros vao e voltam...
acho que nao se deve esquecer totalmente dos erros, para nao voltar a comete-los, mas tambem ter o cuidado de nao virar um escravo das lembranças desgostosas.
Uma vez vi um filme, acho que era alemao... o cara tinha uma ma lembrança de infância que ele foi aumentando o lado negativo com o passar dos anos e tornou-se um adulto todo problematico.
eu tenho meus fantasminhas nada camaradas... as vezes digo pra eles, ok, aprendi e agora esta tudo bem, mas as vezes parece que os carregarei como um peso...
nossa, acho que fui longe... mas teus textos sao assim, nos fazem pensar e repensar.
mudando de assunto, gostas de blues?
ta rolando um festival aqui em Rimouski!!!
abraços da grasi
É curioso observar que para os antigos romanos "culpa" significava tão somente "causa". Até onde pude saber, culpa, causa e coisa tem a mesma origem etimológica. A culpa como causa (inicialmente no sentido exclusivamente físico mesmo, não moral) era a "coisa" que se discutia nos processos antigos.
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No meu entender tua análise é 100% pertinente, mas, para não deixar de ser do contra, gostaria de fazer um contraponto a favor da culpa que é o seguinte: quem diz culpa afirma a liberdade do sujeito: poderias ter feito ou deixado de fazer diferentemante. Por que? Porque és livre - escolhes tua causalidade.
A noção de culpa tem essa virtude de afirmar a nossa liberdade. O preço, claro, é alto. Gasta-se muito tempo procurando o culpado de certos fatos, quando, muitas vezes, poderíamos simplesmente reparar os erros sem procurar atrbuir sua autoria a alguém.
A idéia de que existe uma liberdade de nossa causalidade contraria toda uma visão biológica de nossa existência.
Quem diz responsabilidade me parece referir-se a um momento posterior, a um efeito de uma relação de causalidade já identificada. "Tu és responsável", ao lado de trazer este grande e incontestável alívio psicológico que sublinhastes, parece-me então encobrir o juízo de culpabilidade que (sou pessimista) acredito sempre existir.
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Um grande abraço
Ana e Esperança: experimentem substituir a palavra ,culpa por responsabilidade quando ouvirem. Verão que alívio!
Grasi: eu tento reconhecer os meus erros e digerí-los. Nem sempre é fácil. A tendência é varrer para baixo do tapete... O importante é exercitar, na minha opinião. Quando se digere algo, esse algo passa a fazer parte de nós. Por isso digerir não significa esquecer... Acho que vão ficando cicatrizes ao longo do tempo. Mas reconhecer o erro e responsabilizar-se por ele, para mim, significa buscar encontrar uma solução. O problema não é o problema. O problema é a solução... :c)
Adoro blues!
Phy: Divaga que é bom e preciso.
Vizzotto: não é problema só das organizações, mas da civilização, da qual essas organizações são um reflexo.
Duda: Obrigado pela dica etimológica. Mas te contrario. Quando se diz culpa, a meu ver, tomou-se partido de um dos lados da questão, julgou-se e condenou-se o perpetrante. Como se estivéssemos com a verdade. Justo isso: ele não tem escolha. Acho que responsabilizá-lo significa dar-lhe escolha.
Oi Taba gostei do que li, acho responsabilidade mais "responsável" e mais passível de correções do que "culpa".
Encontrei o seguinte pela internet:
"... Buck explica que há dois significados a considerar nas palavras indo-europe[é]ias que designam o conceito de «culpa»:
a) uma infra(c)ção de cará(c)ter moral menos forte que o «pecado», mas mais grave que o simples «erro» (a chamada falta);
b) a responsabilidade moral por uma a(c)ção incorre(c)ta (a chamada culpabilidade).
Acho que a alternativa b casa com tuas idéias.
Adorei a metáfora do gato/rato e o que fazer com erros, mas como exímia conhecedora de gatos, tenho que te chamar atenção que alguns gatos só matam o rato ou comem pela metade, deixando pedaços pela casa como presentes pros seus donos!
A semelhança dos humanos que não assumem seus erros e os deixam para traz para que outros resolvam!
Culpa, erro, pecado e medo. A idéia de responsabilidade redime, libera, resgata. Tabá, essa é uma das teorias Kardecistas. A idéia da Culpa escraviza, enquanto o conceito de responsabilidade liberta. Oriento os meus filhos desde tenra idade com esse conceito. Não há culpa, não há castigo. Há responsabilidade, portanto compromisso, necessidade de correção. É dentro desse princípio que se orientam os filhos e falar a verdade sempre.
TABA:
A respeito de culpa, liberdade e que tais, no fundo, concordamos. Falamos a mesma coisa em várias línguas (tem ver com as coisas que cada um estudou). Quando puderes, passa por cá!
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