Kapek-23 era como qualquer outro adolescente, por isso roubou a espaçonave particular de seu pai. Apesar de ser inteligente, bem-educado nas melhores escolas de seu planeta, tinha o gosto da idade pela transgressão e aventura, pelas sensações das descobertas, o que explicava sua atração por visitar o Planeta Azul, dito e comentado por toda a família como um planeta agressivo e perigoso. Por isto mesmo fascinante aos olhos do rapaz.
Quando tomou a decisão de sair para essa aventura, Kapek-23 foi direto traçar a rota do Planeta Azul no computador de bordo. Seria uma viagem rápida de reconhecimento, segura e protegida pela tecnologia disponível: computador pessoal com todas a informações necessárias, emulador de voz e idioma do planeta visitado, clonagem de aparência e roupas, etc.
Kapek-23 desembarcou no Planeta Azul num lugar chamado Brasil, classificado como Terceiro Mundo, em função de seus problemas de educação, economia, violência, saúde, com índice de periculosidade 8 em 10.
Camuflou a espaçonave e dirigiu-se às ruas de uma metrópole. As ruas estavam desertas. Não havia sinais de violência ou qualquer outro tipo de problema. Kapek-23 ficou feliz com a idéia de contestar seus pais no retorno. Notou, utilizando um aparelho espião, que as pessoas do Planeta estava, com raríssimas exceções, postadas em frente a um antigo aparelho de transmissão de imagem e áudio em apenas duas dimensões. Todas olhavam um jogo que chamavam de futebol, do qual ele havia ouvido falar em seus estudos de História Universal. Se alguma violência havia era apenas no campo de disputa. Vez por outra, aqueles terráqueos manifestavam satisfação eufórica, quando uma bola batia numa determinada rede. Depois espocavam foguetes, em clara demonstração de regozijo. Notícias de usurpação por um país vizinho de uma indústria produtora de petróleo (produto ali essencial), pareciam ser ignoradas pacificamente. Informações sobre devastação da natureza eram recebidas com indiferença. No entanto, falhas na arbitragem do jogo ao qual assistiam, eram tomadas com indignação, paradoxalmente pseudopatriótica.
Como mandava o método científico, ele retomou a espaçonave e foi, em seguida, para um outro país, dito de Primeiro Mundo, para efeito de comparação. Nesse país as pessoas trabalhavam normalmente e poucas se interessavam pelo jogo, que descobriu ser uma espécie de disputa mundial entre países. Não percebeu qualquer sinal de violência também nesse lugar.
Kapek-23 retornou encantado com a placidez do Planeta Azul. Resolveu não contar sua traquinagem à família, pois queria levar a namorada na próxima viagem.
Só teve chance de repetir o feito um ano depois. Convidou a namorada, que aceitou, convencida por ele da segurança da aventura.
Regulou o computador de bordo para repetir a viagem do ano anterior, desembarcando, portanto, na mesma exata metrópole que havia estado antes.
Tudo havia mudado. Havia um movimento frenético nas ruas. O barulho era ensurdecedor. Kapek-23 e sua namorada por pouco não sofreram atropelamentos por carros, motocicletas, caminhões, coletivos ou mesmo bicicletas. Levaram encontrões de pessoas nas ruas, sem que desculpas fossem pedidas. Quase tiveram seus pertences essenciais roubados, não fossem as proteções tecnológicas que possuíam. Quando caiu a noite, sofreram tentativas de assalto e assédio sexual que tiveram que ser refreadas com armas letárgicas. À noite ainda as pessoas postavam-se em frente aos aparelhos de imagem e áudio, mas não mais para ver jogos, mas para assistirem diversas emissões de baixíssimo nível cultural, que incluíam humilhações de outros semelhantes. A euforia, o regozijo, e mesmo o pseudopatriotismo, haviam sumido.
Voltaram apressados ao planeta de origem. Guardaram a espaçonave discretamente e foram dormir assustados.
Desde então, Kapek-23 obedece.
12 comentários:
Oi Taba, nao sou do tipo fa de futebol, sou do tipo que ve os jogos do Brasil na Copa e só. Mas nao contesto essa paixao, na real acho um encanto esse amor verdadeiro que milhares de homens têm por um time, estando ele bem, ou sem ganhar a 20 anos. A cada jogo a paixao se ronova e uma nova vitoria é suficiente para ser ter esperança de que agora vai.
As pessoas precisam de alegria e o esporte é uma otima forma de encontrar pessoas e ainda faz bem a saude. Hoje fiquei feliz que a Argentina perdeu, mas principalmente por temer jogar com eles na final. Que ninguem me escute, mas tenho uma quedinha pela Argentina, nao sei, gosto da lingua, da musica... na verdade eu sempre fico com pena do time que perde. sei la, aquele monte de homens, que nao parecem muito diferente dos meninos jogando futebol na rua, brigam, chingam, mas todos querem ganhar a brincadeira.
Amanha vestirei minha camisa verde e amarela e torcerei pelo meu time, pelo meu pais, pois sera muito legal por algumas horas ver toda aquela gente brasileira esquecer dos problemas e se divertir um pouquinho como nos tempos de criança.
beijo taba!
Grasi: eu também vejo os jogos da Copa, mas não necessariamente, por obrigação contratual com o País. Torço pelo time mas, não me olhem como estrangeiro se eu, com licença, me lixo se o time ganhar ou perder. Eu me importo sim e se o governo cumpre o que promete ou se alguém está roubando o erário público. Também quero que as pessoas sejam felizes, mas pelas razões adequadas e não por razões fabricadas. Gostaria que o meu vizinho continuasse com a bandeira do País na sacada nos interstícios das Copas e não de quatro em quatro anos. Só tem uma coisa da qual eu discordo profundamente dos teus argumentos: não é uma brincadeira! São milhões de dólares em jogo. Os jogadores ganham milhões, as redes de TV ganham milhões, os clubes ganham milhões, as cidades e os países ganham milhões. Não é uma brincadeira de criança. Os meninos que jogam futebol na rua ainda têm amor de verdade pelo futebol, por isso são chamados amadores... se bem que alguns de olho numa carreira brasileira promissora. Depois de famosos ganham muito melhor que os educadores e os doutores canadenses e ainda podem chamar o Presidente de borracho, mudar-se para Barcelona e nunca mais voltar à "pátria"... Não me entende mal, sou favorável aos esportes (todos e não a um só) e muito favorável à polêmicas...
Adorei Taba, isso é nosso mundo real... Só que hoje em dia os horários dos jogos do Brasil tem sido um prato cheio para os ladrões, hahaha
Eles tem se aproveitado da nossa distração e armado assaltos para estes horários...
Me contaram que em SP os caras estavam armando outro daqueles ataques pro dia do jogo...
Nem mais o futebol segura nossa violência!
Beijoooos
Pode vir com tuas polêmicas que nem me abalo. Acho que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa (frase linda, adoro ela, diz nada, mas diz tudo).
As vezes quando falo de ciência, de quanto um pesquisador ganhou para entender melhor o fundo dos mares, vejo olhos que dizem, "tanta gente morrendo de fome e gastam isso tudo com ciencia, isso nao é prioridade". As vezes um grande cantor, que amo, é milhonario, esta dentro de um sistema de tv e shows, grana que desconheço de onde vem e para onde vai.
Tem muita coisa errada no futebol, mas acho que sempre que aparece uma grande paixao popular aparece tbém espertinhos pra tirar proveito e grana disso. Mas continuo achando legal a paixao de milhoes de flamenguistas, mesmo que eles se pararem pra pensar em quanto ganha o atacante fiquem com raiva. mas talvez se o cara for um craque eles até concordem... Isso acontece em muitos esportes, basquete, hockey.
O carnaval tbem virou uma industria de dinheiro, mas ainda admiro o amor daquelas comunidades por uma escola e alegria em cada desfile.
Taba, deixa de ser mal-humorado e sai por ai feliz com um gol do Brasil!!! nem sempre temos que ser tao racionais ou CHATOS, vem brincar tbem!!!
beijo da grasi
Bem feito, se o Kapec-23 tivesse obedecido ao pai ou lesse os livros daquele, talvez parente distante, o Karel, não se meteria a visitar o bonito planeta azul mas onde existe uma espécie por demais egoista e destrutiva teria ficado lá pela estratosfera apreciando a paisagem com a namorada.
Olha, gosto de futebol e sou gremista de coração, mas essa coisa de copa do mundo passou dos limites. Desculpem, mas ainda bem que acabou, pelo menos para essa galera que saía de sí em dia de jogo.
Desconfio muito quando tentam levar todos a um mesmo lugar, a uma mesma idéia, a um mesmo modo de viver.
Por isso não assisti esses jogos.
Abraço Tabá!!!
Se Kapek-23 estivesse na ilha da magia, hoje, no final do fatídico jogo em que se buscou em vão acertar a bola na rede, presenciaria singular esperiência reflexiva: em meio ao silêncio, ao torpor e à tristeza geral, um carro lotado de terráqueos e bandeiras verde-amarelo festava com a célebre "anterior" máxima: PENTACAMPEÃO! PENTACAMPEÃO!!
E a vida segue...
Gostaria de ver este país parar "dessa forma" por "outros" motivos... meu amigo, Tabá.
Grande beijo.
Gosto muito!! As vezes queria saber o que os "aliens" pensam realmente do nosso planeto!!!
Um blog bem diferente, e bem legal, como sempre.
Abracos para todos os brasileiros, fiquei bem triste ontem, para voces. A Inglaterra e o Brasil nao vao ganhar o copo do mundo. Chorei lagos sobre isso!
da tua irma e amiga inglesa
Xanxa
Tá bom, sou chato, racional e mal-humorado às vezes - não me divirto com as atrações populares como carnaval e futebol. Gosto de vinho no lugar de cerveja. Odeio pagodão e sertanojo. Às vezes pareço o Ed Motta... - a quem por sinal, não curto também. Mas foi isso que o Esperança disse que me moveu para esta estorinha: a coisa passou dos limites. Só isso. Não vou embora daqui, como o Diogo Mainardi diz que vai. O País são os meus amigos e não governos incompetentes ou o mau gosto cultural.
O Parreira que zidane! e o Gagallo deve se aposentar. Praticar o ócio com dignidade e restar contando histórias e glórias passadas. Esses jogadores milionários são uns chatos, a Globo uma bosta, e o Galvão Bueno um nojento! Que saudade do futebol espontâneo, competitivo. A grana alta corrompeu também o esporte. É a plutocracia se impondo sub-repticiamente...
É uma pena o Kapek-23 não ter visitado nosso país na época de eleições...
Bjus Tabá!
Quando as pessoas esperarem os políticos nos aeroportos, para protestarem e darem uns cascudos, aos invés de esperarem os jogadores de futebol, então veremos uma luz no fim do túnel, por enquanto é só escuridão. A ignorância grassa.
Carlos
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