Instruções ao hóspede - Capítulo 2

Como ir a um restaurante com a família hospedeira: quando hospedado em casa alheia, o hóspede poderá sugerir uma ida a um restaurante, sobretudo quando a comida da casa for intragável. Deve cuidar para que seja um restaurante de preço acessível, caso ele não se livre em tempo de pagar a conta. Um “buffet da balança” é uma opção interessante, mas deve ser escolhido com cautela (verifique o preço do quilo por telefone), ainda mais se há adolescentes na família, os quais costumam ingerir doses cavalares de alimentos, por conta da idade e da masturbação. Este manual sabe de casos de adolescentes que praticam hábitos romanos de regurgitamento em tais locais, apenas para empanturrarem-se. Todo o cuidado é pouco. Sugira um refrigerante dos mais baratos – tipo “tubaína” – de 5 litros. Quando ao final da refeição, alegue o hóspede uma indisposição alimentar e vá ao banheiro, onde deverá permanecer tempo suficiente para garantir que a despesa seja paga pela família hospedeira. Aproveite para comer leite condensado e escovar os dentes. Caso ao chegar, a conta ainda não tiver sido acertada – existem hospedeiros com suficiente mau-caráter para agüentar longo tempo de espera – deve o hóspede oferecer-se, de forma não muito entusiasmada, para pagar a conta. Se o fizer, deve fazê-lo com explícito desconforto, contando cada nota ou centavo depositado no balcão de pagamento, de forma a garantir que isso não se repita. Caso o hospedeiro vacilar com alguma gentileza, o hóspede deverá aceitar a oferta com rapidez natural, tipo: “OK! A próxima é minha”...”, saindo rapidamente para a rua.

Como dormir na casa do hospedeiro: ao deitar-se em casa alheia, trate de verificar a presença de pulgas, percevejos ou manchas nos lençóis. Uma vez reparado que há inconveniências, dispense os lençóis depois que todos estiverem dormindo, recolocando-os no dia seguinte. Solicite cobertor extra, mesmo que esteja calor, para ser colocado como preenchimento nos horrorosos sofás-cama que são oferecidos aos hóspedes, nunca utilizados pelos hospedeiros. Aproveite a ocasião para liberar seus gases intestinais, que estiveram presos pelo dia todo, por razões de contenção social. Sacuda os lençóis após o ato e utilize, em seguida, o desodorizante de ambientes que está na mala – lembre-se de que há necessidade de garantir uma possível futura hospedagem. Caso sentir necessidade de assoar o nariz, não o faça nos lençóis – a não ser pequenas esfregadelas – pois as donas-de-casa reparam facilmente essas manchas mais indeléveis.

Como utilizar o banheiro na casa do hospedeiro: no banheiro há, normalmente, um estoque de produtos de higiene e limpeza, pertencente à família hospedeira. Utilize-os com parcimônia, para não ser denunciado. Depois da velha desculpa de ter esquecido a toalha de banho, dirija-se ao banheiro com o vidro de shampoo cheio de chá de camomila. Esse vidro é essencial nos apetrechos de qualquer hóspede, uma vez que: a) serve para matar a sede b) economiza dinheiro c) serve para reposição de produtos do hospedeiro – até mesmo de um ocasional gole de uísque, se o chá estiver bem forte. Uma vez tomada a ducha e utilizado os produtos da casa, trate o bom hóspede de repor tudo nos devidos lugares milimetricamente. Não deixe pêlos púbicos no sabonete – nem é preciso dizer, isso seria fatal.

Das disposições transitórias:

1) em caso de banheiro ocupado e dor-de-barriga incontrolável estará o hóspede prevenido com aquele par de meias (velhas, porém não-furadas), lencinhos íntimos e tubo desodorizante. Dirija-se, quando possível, à área de serviço. Elimine seus líquidos internos na pia do tanque de lavar ou no ralo do esgoto. Elimine os sólidos num dos pés de meia. Caso necessário utilize o outro pé, depois de uma desconfortável interrupção. Rebole as meias, agora devidamente preenchidas, e as jogue no pátio do vizinho. Há que ter cuidado com os furos, ou será difícil explicar o estrago na área de serviço. Se houver necessidade utilize algum par de meias da casa, em geral colocados na secadora. Faça a higiene com os lencinhos, que deverão ser colocados no cesto de lixo. Borrife perfume no ar. Divirta-se posteriormente, com ar inocente, com a bronca do vizinho no dono da casa.

2) Se o casal resolver “discutir a relação” em frente ao hóspede, este deverá cair em um pranto convulsivo e alegar más lembranças “das brigas de papai e mamãe”, que lhe custaram anos de psiquiatra, sem solução eficiente – o que seria uma mentira apostólica, que evita a chatice da conversa.


3) Em ocasião apropriada o hóspede poderá ir (sozinho) entupir-se de maquidonals e voltar na hora da janta alegando fastio. Isso poderá poupá-lo de possíveis “ervinhas batidas com ovos pochê” ou “creme de tofú com gengibre”, dentre outros terrores inomináveis e indescritíveis.

4) Se durante a noite o hóspede perceber ruídos estranhos na casa, como se alguém forçasse a porta ou a janela, trate de safar-se logo pela saída de emergência. Deixe que a família resolva com tranqüilidade o problema que lhe compete.


5) Ao voltar para casa, deverá o hóspede falar mal do hospedeiro para todos os seus amigos, descrever os horrores que passou naquela casa. Isso garantirá a exclusividade das próximas ocasiões.