Sobre Amizades (Bêbado de Lua)

Dedico esta reedição aos amigos novos e antigos - homens e mulheres. Aos que já foram. Aos que sempre ficaram. Aos que estão por vir.

Sou um amigo um pouco inconveniente. Meus amigos precisam agüentar que lhes diga (quase sempre) o que estou pensando. E eles sabem, por outro lado, que devem me dizer quase sempre o que estão pensando – o que é igualmente difícil.

Essa mania de dizer o que penso a quem gosto, justifico com uma frase de Robert Louis Stevenson: “A verdade escondida pelos amigos é a arma mais fácil dos inimigos”. É claro que não penso que estou lhes dizendo A Verdade, mas que lhes estou dizendo A MINHA verdade. Isto não pode e não deve ser confundido com crítica, que reservamos aos desafetos. Essas “verdades”, eivadas de preparação, ponderação e escuta, vêm geralmente acompanhadas de um grande preâmbulo afetivo.

Só deveríamos chamar de amigos àquelas pessoas que conhecemos a tão longo tempo, que já sabe nossas "virtudes e defeitos" de cor.

Um amigo que preze a concepção profunda da palavra amizade, é inconveniente em muitas ocasiões, quando incomoda, põe o dedo na ferida aberta quando o outro se nega a aceitá-la. E, com a mesma veemência com que nos defende, discorda da gente. E isso muitas vezes dói.

Mas estes são os amigos de fé, os irmãos escolhidos.

Irmão de sangue não se escolhe, nascemos para ele ou ele nasce para nós. É compulsório.

Mas os amigos de fé nos dão a liberdade de escolha consciente.

É com eles que brigamos pelo dedo na ferida e pela discordância sem, no entanto, derramar uma gota de amizade.

É com eles, também, que podemos ficar em silêncio, um longo tempo, sem a necessidade de inventar assunto, mesmo estando na mesma sala.

Deles não esperamos que a amizade se dissolva pelo efeito da distância ou do tempo.

Eles são aqueles de quem entramos na casa, depois de anos, e ficamos à vontade, sem cerimônias ou introversões, como se tivéssemos nos visto ontem.

São eles que ouviram nossas mais recônditas confidências, segredos que nunca tínhamos confiado nem a nós mesmos.

Eles nos fazem descobrir a nós mesmos com surpresas.

Eles, quando existem de verdade, eliminam nossa necessidade de terapia e deviam ser processados pela sociedade protetora dos analistas...

Pois é com eles que passeamos pelas madrugadas, bêbados de sono e de lua, descobrindo o sentido da vida.

É com eles que resolvemos os problemas que afligem o mundo, mas que o mundo não fica sabendo.

Há ainda os amigos em potencial, em que vale a pena investir, porque sabemos que dará lucro afetivo com o tempo. São pessoas com quem nos falta tempo de convivência, por alguma circunstância não controlável, mas que chamamos de amigos sem faltar com a verdade, pois há um potencial percebido de que ele se torne um amigo de fé.

Uma amizade sólida toma tempo, cultivo, paciência, tolerância, franqueza, sinceridade, análise, conhecimento.

Não chamo de "amigos" a todas as pessoas, prefiro colegas ou conhecidos ou só pessoas, porque acho que a palavra deve ser reservada para ser aplicada nos casos de certeza ou de potencialidade.

Para não tomar o santo nome em vão.