sexta-feira, maio 12, 2006

Ditaduras

Vem de guri essa mania de que sofri repreensão...
Aureliano de Figueiredo Pinto

Free the people now!
John Lennon


Vamos esclarecer: todo aquele que tentar fazer escolhas por mim terá, enquanto eu puder, minha resistência e oposição. Se houver insistência, então meu opositor terá um inimigo e, por fim, a suprema antítese do amor – a minha indiferença. Quando eu for bem mais velho, sei que terei que me submeter às escolhas do outros. Até lá resistirei.

Estou cansado de grandes e pequenas ditaduras.

Das grandes, vivi o golpe de 64, quando os militares, sob a alegação de ameaça comunista, com o apoio de uma parte da sociedade, tomaram o poder no País e decidiram, por longos anos, que sabiam o que era bom para nós. Fizeram escolhas por nós, como se fossemos indigentes mentais, como se não tivéssemos capacidade de discernimento, virtude de quem usasse farda. Por muito tempo pensei que a ditadura militar tivesse alterado ao caráter do brasileiro, tornando-nos individualistas e espertalhões. Hoje concluo que foi o contrário. Penso, agora, que foi o caráter individualista e espertalhão de boa parte do povo brasileiro que permitiu a ditadura. Ela seria resultado e não causa.

Tenho olhos atentos aos ditadores, grandes e pequenos. Eles não me são indiferentes. Quero saber onde estão, como agem, onde comem, o que pensam, do que riem.

Estou cansado de governantes messiânicos, arrogantes, paranóicos. Eleitos, determinam a si próprios a tarefa de demarcar o território, deixar marca indelével de sua passagem pelo poder, seja a que preço for. Planejam alterações no sistema que gerem, sem levar em conta as conseqüências para a qualidade de vida de seus comandados. Precisam mesmo, na minha opinião é de um bom psiquiatra.

Há a ditadura das ideologias e dos grupos religiosos. A essas, muitos se submetem voluntariamente. O problema passa a ser crucial quando querem impor seus dogmas aos outros, pagãos e infiéis, uma vez que descobriram suas verdades absolutas. Há, como decorrência, a ditadura da censura, aplicada ao interlocutor que não compartilha do mesmo pensamento do iluminado, às vezes gravemente acompanhada de ofensas, agressões e destratos.

Mas, há as pequenas ditaduras. Dos pais sobre os filhos e dos filhos sobre os pais. Dos cônjuges entre si. Dos professores sobre os estudantes e vice-versa. A ditadura de patrões e empregados. A ditadura dos chefetes, alçados a um pequeno grau de poder, mas com um espírito de Mussolini.

Existe, ainda, um tipo especial e sutil de ditadura: a das mães companheiras, a dos pais companheiros. Alegando camaradagem, usando moderna psicologia, certos pais muito habilidosos, fazem com que os filhos façam exatamente o que eles desejam, sem mandar, sem determinar, sem parecer autoritários. Essas são terríveis de detectar de imediato. Surgem alguns anos mais tarde quando percebemos que afinal já seria hora daquele rapaz ou menina sair de casa, alçar seu vôo pelo mundo, tornar-se independente. Percebemos muito tardiamente que aquele filho não aprendeu a nadar e tem medo do mergulho. Descobrimos que os pais amigões os criaram para eles próprios. Talvez com medo do envelhecimento. Talvez por insegurança pessoal. Talvez com medo de solidão a dois. Talvez, apenas para brincar de boneca ou soldadinho até um pouco mais tarde.

14 comentários:

Duane disse...

Oi Taba, adorei o texto!! Teu blog me faz parar pra pensar a cada novo texto num novo tema, temas estes que muitas vezes nao estao no meu cotidiano, e só gracas a ti, eles sao lembrados e pensados. Nós mulheres ainda sofremos a ditadura da moda, que roupa devo ter, que cabelo devo usar, agora devo ser magrela, nao nao, agora devo ser atletica, cheia de musculos e assim vai. Programas na tv, filmes, propagandas, revistas e jornais, a todo o momento ditando quem e como sao as beldades... Acho que para os homens a pressao é bem menor, nos mulheres achamos bonito homens bonitos, mas nao vejo isso como uma ditadura feminina para que os homens sejam todos um Antonio Baneiras, mas a pressao para ser uma Gisele Bunchin, sei lá como se escreve o nome da moca, faz sim parte do dia-a-dia feminino. E por mais que a gente diga, nao, sou inteligente o suficiente para nao dar bola para isso, a pressao é tao grande que nao tem como ao se arrumar e nao dizer, poderia tar melhor aqui ou ali... Parece bobagem o tema, mas vejo minha irma mais nova sofrendo por estar uns quilos mais fofinha, assim como sofri com as dietas mirabolantes que fiz. Uma vez fui parar no medico por causa de uma dieta e ele me perguntou com um tom ironico se eu realmente tinha ensino superior completo... fiquei com a cara no chao. beijao pra ti taba!!!
grasi

Anônimo disse...

Olá dindo! Bom, é dificil comentar este assunto. Mas acho que esses pais ao fazerem isso (uma vida toda) nem se dão conta do mal que fazem aos filhos, às pessoas que estão criando. Concordo que isso acontece muito e que sao atitudes extremamente egoistas, mas não querendo defender estes pais (já defendendo) acho que não fazem por mal, nao fazem concientimente, pq nenhum pai quer o mal do filho, nunhum, quer ver o filho fracassar. Eles apenas superestimam a sua importância nas vidas de seus filhos, acham que estes não vão conseguir viver longe dos pais e tal, quando na verdade são eles que não conseguem mais viver longe dos filhos.

Tabá disse...

Duane e Grasi:

Realmente poderia ser destacada essa ditadura da moda. Outro dia ouvi o Reitor dizer que gostaria de mudar a estrutura da FURG só porque ele fica chateado de ouvir que a FURG é diferente das outras. É a ditadura da moda também... Muito boa observação Beijos saudosos.

Tabá disse...

Julia! Adoro quando tu escreves aqui. Teu pai vai ficar babando.
Beijão lindona!!

Anônimo disse...

Alô, Taba!

Como dizia aquele sábio diretor do Corinthians: "Quem sai na chuva é prá se queimar".Penso que a intenção do teu discurso é provocar o meio circundante. Pois que seja!
Mas, antes de detonar algo que existe, bom ou mau, necessário se faz dar a alternativa. É o que estou esperando que tu o faças. Há uma cultura, uma tradição por detrás de nossos atos, valores, crenças. Queres invalidá-las antes de algo sólido para substituí-las? Ou já possuis idéias que, sem nenhuma dúvida a respeito, poderão transformar a sociedade em algo melhor?
Fico apreensivo com os sonhadores. Hitler, Lenin, Mussolini, Stalin, Fidel, Pinochet, Amin Dada, e muitos outros sonhavam com algo melhor para substituir essa merda que aí está. Tenho aprendido que se existe alguma coisa que valha a pena e que é honesta á a auto transformação. Não só é um direito, como também um dever. Mas desisti, definitivamente, de mudar qualquer coisa nesse mundo.Fujo dos idealistas, como o diabo foge da cruz.Refiro-me aos idealistas que sonham com a mudança dos outros. Modestamente querem que o mundo se modifique para que eles se sintam melhor. Que coisa, não?
Um abraço

Léo

Tabá disse...

Léo:

Há duas idéias centrais no teu texto com as quais não só concordo, mas que repito freqüentemente aos que me circundam: a) é preciso colocar algo no lugar daquilo que não gostamos b) a única pessoa a quem eu posso mudar sou eu mesmo. Sou um idealista de mim mesmo.
Em tempo: não sei se dei a impressão de querer detonar alguma coisa. Quero detonar apenas a possibilidade de fazerem escolhas por mim.

Anônimo disse...

Oi Taba! Qto tempo não escrevo por aqui!hehehe
Bom na minha modesta opinião a pior ditadura que sofremos é aquela a qual nós mesmos nos impomos ou seja a de sermos submissos ao nossos "supostos" ideais como por exemplo: de agradar a tudo e a todos, de sermos modernos e estarmos na moda, de sermos coerentes o tempo todo, de querermos ser um pai ou uma mãe perfeita, de querermos um mundo melhor, de querermos ser rochas porém sendo humanos... Enfim de nós mesmos querermos nos impor modelos de perfeccionismo sem que sequer saibamos o que é realmente o ideal... Todos nós, de um modo ou outro, enfiamos os pés pelas mãos e pecamos em algum campo da vida: seja no trabalho, com os amigos, com os filhos, com o companheiro ou pior ainda com nossa essência, nosso EU interior! Pior que sermos refém da ditadura é sermos reféns de nós mesmos e não percebermos isto... beijooooos

Anônimo disse...

Reinventar
Esperanças;
Salvaguardar
Identidades;
Superar
Tiranias;
Enfrentar
Neuras;
Cuidar.
Inventar.
Acreditar!

Anônimo disse...

Abaixo Evo Morales e Hugo Chaves! Fora Lula! Interne-se para sempre o Garotinho! Fernando Gabeira para Presidente, JÁ!

Tabá disse...

Pois é isso mesmo Alessandra. Essa ditadura de nós mesmos (sobretudo os virginianos) é terrível! Ainda, contudo, essas são nossas escolhas.

Malaquias: considerando que a Educação talvez seja a única forma viável de salvar o Planeta, quando ditamos em sala-de-aula devemos ser grandes ditadores, em pequena escala...

[]ssss

Anônimo disse...

Muito bom o texto.
Tens que ter em mente também que muitos abdicariam de sua própria liberdade de boa vontade. Quem é livre é responsável. A liberdade admite esta contradição pragmática: sou tão livre que posso me tornar escravo por minha própria vontade. Como aquele cara que te diz: "não estou falando".

Um grande abraço do Eduardo,
teu sobrinho

Anônimo disse...

Olá, Tabá

Tenho acompanhado com razoável frequência os teus textos, sempre instigantes e, por isso mesmo, proporcionadores de ótimas ocasiões para reflexão e bons debates sobre os diversos temas que abordas.

Queria te dizer também que achei muito boa a sugestão de um dos teus leitores para que tu passasses a interagir mais com os comentários feitos no blog. Essa nova forma tornou o blog mais interessante ainda, tem permitido respostas, esclarecimentos quase imediatos e, o melhor de tudo, um alongamento da discussão em torno dos assuntos.

Baseado nesta visão positiva da interação que teu blog proporciona e, principalmente na "cocegazinha" que dá ao ler o que escrevem tu e teus leitores, resolvi escrever-te para adicionar mais uma pitada de sal ao panelão de sopa do debate que despertaste.

Entrando na discussão, queria dizer-te que, contrariamente ao que acredita o Vizzotto, não tenho tanta certeza de que a era da comunicação instantânea seja uma garantia contra toda e qualquer imposição de idéias.

É verdade que esta nova era nos proporciona um instrumental como nunca visto antes, nos legando um potencial fantástico para combater ditaduras de todas as espécies, das grandes e transnacionais às pequenas e cotidianas. Acho que foi isso que levou o Vizzotto a dizer que à medida que avançarmos nesta "revolução", mais resistentes ficaremos à ditaduras.

Mas acho necessário perguntar: quem garantirá que a mídia não venha a ser usada exatamente para o contrário, para impor uma ditadura?

Veja o que diz a Grasi no próprio blog! E é exatamente a mídia, a mesma que "pode" nos levar ao paraíso, aquela que nos atira ao inferno ao impor um modelo de corpo inatingível para a imensa maioria, gerando milhares de descontentes consigo mesmo.

Repetindo, o que me preocupa não é o nstrumento em si mas sim o uso que fazemos dele, e as experiências não têm sido das melhores. A quebra do átomo pode gerar energia e impulsionar o desenvolvimento de um país mas, por outro lado, pode também ser transformada em uma arma de destruição em massa.

Um outro exemplo já clássico e razoavelmente recente sobre a má utiliação dos meios de comunicação, diz respeito ao que ocorreu no Brasil quando da primeira eleição direta para Presidente após a ditadura militar.

Sei que a política costuma despertar paixões, e estas, por sua vez, podem nos tirar do foco que perseguimos. Peço-lhes, portanto, que tentem abstrair, na medida do possível, o fato do exemplo abaixo abordar questões político-eleitorais para ficar apenas no que nos (me) interessa discutir no momento: a discussão da era da informação e suas benesses bem como seus possíveis entraves.

Disputavam o segundo turno Lula e Collor de Mello. As pesquisas, que inicialmente apontavam para uma vantagem segura de Collor, começaram a mostrar, com a proximidade do "dia D", uma ascensão significativa de Lula, permitindo até a previsão por especialistas de que este poderia vir a ultrapassar seu concorrente antes mesmo do dia da eleição. Ocorrem, então, dois fatos, ambos ligados à mídia:

1) O programa de Collor na TV acusa Lula de ter uma filha fora do casamento, e mais, acusa-o de ter proposto o aborto à mãe da menina. Ela própria, sabe-se hoje que paga para isso, fez a denúncia na TV, apresentada em tons melodramáticos. Uma questão da vida pessoal, portanto de foro íntimo, não deveria nem mesmo ter sido levantada, mas, ao se espalhar pelos quatro cantos do país com a velocidade do vento, certamente influiu muitos eleitores na hora da decisão de seu voto. Não adiantou nem mesmo a filha, que, diga-se de passagem, vivia com o pai, aparecer abraçada a este na TV.

2) Após o último debate entre os dois canditados, às vésperas da eleição em segundo turno e já encerrado o período de propaganda política, o Jornal Nacional da Rede Globo apresenta um "resumo" do debate da noite anterior que entrou para os anais do jornalismo tupiniquim como um dos maiores exemplos de manipulação grosseira dos fatos. Para resumir, não só mostrou-se os piores momentos de um e os melhores de outro, como também se editou trechos de modo a dar a impressão de que perguntas ficaram sem respostas ou foram mal respondidas. Foi interessante notar no dia seguinte que, dentre aqueles que haviam assistido todo o debate entre os candidatos, as opiniões estavam divididas quanto a quem tinha se saído melhor. De fato o debate foi "parelho" e as conclusões flutuavam um pouco em torno do empate. Já entre aqueles que não haviam assistido ou que tinham visto só o início (o debate terminou tarde da noite) mas que viram o "resumo" do Jornal Nacional, havia uma unanimidade. Esta até pode ter sido desfeita alguns dias depois, quando ficou patente o que ocorrera, mas aí a eleição já tinha ocorrido ... !

Os exemplos são muitos. Poderia citar Orson Welles e sua experiência radiofônica fantástica há mais de cinquanta anos atrás, ou ainda a construção de um preconceito racial num país, através principalmente de meios de comunicação, capaz de levar a atitudes impensáveis até então, tão surpreendentes quanto bárbaras, como o genocídio de centenas de milhares de pessoas em Ruanda, conforme contado no recomendável filme Hotel Ruanda.

Não quero (mais do que já fiz até aqui) ficar torrando a paciência de ninguém. Cada um pode buscar os exemplos em que a comunicação foi/é utilizada para impor uma certa maneira de pensar, seja no seu cotidiano, em esfera local ou mesmo planetária, que os encontrará em profusão.

Agora, por favor, não me tomem por um neo-ludista a propor o extermínio das máquinas. Ao contrário, creio na proposta inicial da ciência moderna de máquinas trabalhando cada vez mais para que os homens trabalhem cada vez menos. Só que esta promessa não é auto-realizável, como vem sendo comprovado atualmente, apenas com o progresso da ciência. É necessário que tenhamos os "desconfiômetros ligados, a atenção redobrada para evitar os percalços e saibamos utilizar o instrumental gerado em favor de todos para que cheguemos a resultados melhores que aqueles que temos obtido ultimamente como civilização.

Eduardo (Duda) Carvalho Pereira

Anônimo disse...

bom dia, taba. peço desculpas por só hoje estar respondendo. o texto está ótimo e tambem os comentários. cada vez fica melhor.
manda bala que a gente aguarda ansioso.
abraços, aderbal

Tabá disse...

É verdade, Pereirinha (Duda). É o homem por trás da faca que faz dela uma arma de libertação ou de agressão. A faca em si é neutra nesta história.
Concluo, na verdade à exaustão, que é necessário Educação para que os desconfiômetros fiquem ligados...