Em 1968, o biólogo Garret Hardin, já andava preocupado com o problema da superpopulação da Terra. Ele achava que a liberdade de procriar é intolerável. Analisando esta situação, ele chegou à conclusão que alguns problemas humanos não possuem solução técnica, mas a solução está baseada em modificações morais e éticas, que só podem ser atingidas através da elevação do patamar de consciência. Este, por sua vez, é resultado da Educação - assim, com E maiúsculo.
Para definir porque o uso dos bens comuns pode ser chamado de tragédia, ele recorreu ao filósofo Whitehead, que definiu como tragédia: "o contemplar sem remorso do desenrolar dos fatos". Para o filósofo, a verdadeira tragédia, portanto, acontece quando nos deparamos com fatos graves e nos omitimos, sem remorso algum. Assim é com o preconceito racial ou sexual. Assim é com a concentração de riquezas em 10% da população da Terra. Assim é com a camada de ozônio "esse problema só vai se agravar em 2020, se o nível dos mares subir - até lá já vou estar morto mesmo!... não é problema meu...". Nenhum remorso. Tragédia.
Bem comum é tudo aquilo que utilizamos coletivamente, mas, sendo comum a todos, não é propriedade de ninguém especificamente. São alguns exemplos de bens comuns: o ar que respiramos, o espaço das ruas, as praças públicas, o tempo cronológico, os rios, o condomínio do edifício, a máquina de xerox do departamento, os banheiros públicos, as salas de cinema, as estradas, o meio ambiente, entre inúmeros outros fáceis de pensar.
A tragédia do bem comum aparece quando utilizamos estes bens de todos como se fossem privados. O benefício individual obtido, se imitado por outros, se torna prejudicial para todos.
O empresário acha-se no direito de poluir o ar, que não é de ninguém, mas de todos, com seus gases e fumaças, que todos (inclusive ele!) são obrigados a respirar, em nome do emprego de pessoas e do benefício do seu produto para a civilização – mas afinal, no nome mesmo do seu próprio lucro. Mas como todos os empresários pensam assim, o ar se torna irrespirável para todos.
Pessoas que chegam atrasadas, sem justificativa, aos encontros marcados, utilizam o tempo dos outros indevidamente, sem licença, sem escolha por parte do outro.
Aquele simpático senhor, na praça pública, ensina o neto a colher flores do canteiro. Mas se todos os avôs fizerem o mesmo, em pouco tempo não haverá mais flores na praça.
Aquela senhora pára o carro às seis da tarde, em fila dupla, numa rua de movimento, porque precisa falar com sua amiga transeunte, trancando o trânsito para os que estão atrás dela. “É rapidinho”, acena, pedindo um pouco de paciência ao usar o tempo e o espaço dos outros. Se todos a imitarem, com a mesma razão justificada, a cidade pára.
No edifício, o morador resolve utilizar os extintores de incêndio do edifício numa brincadeira de festinha. Mas se todos o imitarem, o edifício pode ter problemas num eventual incêndio.
O transeunte cansado de segurar aquela sacola plástica, sem encontrar uma cesta de lixo para colocá-la, joga a sacola no chão. Muitos costumam pensar que podem fazer isso, porque o plástico evapora como por milagre ou que os garis vão limpar depois ou que isso não é com eles. Nas chuvas pesadas a cidade fica alagada, casas são inundadas, famílias são desabrigadas, pessoas morrem de leptospirose ou mesmo afogadas. Os bueiros estão entupidos. Culpa-se à Prefeitura, que não os desentope. Não responsabilizamos a nós mesmos por entupi-los.
Nas estradas, alguns motoristas pensam que as rodovias foram feitas apenas para eles, utilizam-nas como se fossem privativas e infernizam a vida dos outros motoristas. E se todos se comportarem desse jeito?
Estarei sugerindo maior fiscalização dos bens públicos? Sim, isto ajudaria, se fosse acompanhada de punição severa, multa pesada.
Mas quem fiscalizaria os fiscais? – raciocina Hardin.
A impunidade certamente é um fator importantíssimo e deve ser considerado. Mas não é a solução definitiva, apenas um paliativo.
A solução é nos educarmos interiormente para aceitarmos a possibilidade de coerção dos outros prejudicados. Mútua coerção com mútuo consentimento - propõe Hardin. Cidadania. Ainda no Brasil, as pessoas sentem-se no direito de reagir, mesmo sabendo que abusaram do bem comum. Isso demonstra cabalmente o nosso atraso cultural. Ainda não há consciência de consentir a coerção, quando flagrado o erro.
Para chegarmos a isso precisamos ter adquirido maior nível de consciência com relação aos problemas e bens comuns, educando-nos (com E maiúsculo) e disciplinando-nos constantemente.
Resistindo à Lei do Gerson: é impossível e imaturo querer levar vantagem em tudo.
Então, nem precisaremos de governos. E teremos Qualidade de Vida.
sexta-feira, março 03, 2006
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21 comentários:
E aí Taba! Invadindo o mundo dos blogs então??? Eu também tenho o meu mas não é tão público que nem o teu...hahahah
Mas depois vou te enviar o link porque quero tua opinião sobre as baboseiras que escrevo por lá... Dizem que puxei meu pai, mas na verdade escrevo sobre mim mesmo e minhas loucuras emocionais...
Vou passar aqui sempre viu??
Ah e quanto a tirar vantagem de tudo... Felizmente o mundo tem aqueles que se preocupam em pelo menos tentarem não tirar vantagem das coisas e talvez seja por isso que nosso mundinho ainda não esteja mais maltradado... E quem sabe um tia as pessoas tomem jeito? Depende de cada um de nós porque as sementinhas vem da gente e estão ao redor de nós, hehehe
super beijo!!!
Adorei a Tragédia do Bem Comum! Ela se me apresenta com uma picante sátira. Traz idéias contemporâneas em estilo inteligente e perspicaz e trata do modo como apreendemos o mundo e o objetivamos. Hoje falava deste entorno aos meus alunos de Biologia, onde trabalho a Psicologia do Conhecimento, que ao fim e ao cabo faz parte do eterno ciclo da vida, com muitos avanços mas com poucas humanidades. Coisa que o séc. XXI está tentando suturar.
Gosto de te ler e vou levar na próxima sexta de aula, para socializar com eles.
Estaba de viaje, ahora leí de conjunto el blog y me ha parecido formidable. Opinar, asistir a la vida con criterio y fe en el mejoramiento humano, es tarea singular que debemos compartir y felicitar. Precisamente asistía a un congreso sobre el género del Diario (en Córdoba, España) y, ciertamente, el blog ocupó un lugar destacado.
Qué motiva a escribir y cómo son las reacciones de los que leen, cuál es la repercusión cultural y social de este tipo de escritura que pareciera perderse en el océano de la internet, son preguntas que aún me hago, si bien consigo vislumbrar algunas respuestas, sobre todo al descubrir un ejercicio del criterio tan rico y abierto al diálogo como el de tu blog.
Grande abraço e que não falte a comunicação verdadera!
Oi Tabajara!
Embora não pareça estou aqui, acompanhando semre que posso sua movimentação pelos bits e bytes. Eu agora moro em João Pessoa; deixei a casa de Natal inteirinha com minha filha, incluindo os quase 3.000 livros, mas trouxe comigo os discos de Tom Waits. Lembranças a Cleuza!
OI Tabá!!! Quero que saibas que sempre leio teus textos, viu? É que nem sempre tenho tempo para colocar meu oi por aqui!!!Quero te pedir "autorização" para utilizar teu texto com meus alunos. Já conhecia a Trajédia do Bem Comum...tinha me sido apresentada por nosso amigo Betito (que eu ando cheia de saudades!), que me mostrou muuitas coisas inteligentes e interessantes.
Estou em busca dessa Educação!! E sabes que tens uma admiridora e uma companheira de lutas e sonhos aqui em SC!! Um beijaozão e um abração!
Taba
Li este último texto e gostei tanto quanto do primeiro (o dos joelhos). Fico pensando sobre os blogs (ainda hei de ter um!)e os vejo como uma forma moderna de jornalismo de crônicas, no qual é possível a quem quiser - e souber escolher -, ler textos inteligentes e agradáveis, crônicas modernas sobre o dia-a dia e os hábitos humanos. Isto tudo é pra te dizer que começo um vício novo: ler o "Blog do Taba". Gosto muito!
Me avise sempre que tiver coisa nova.
Grande abraço!
grande taba: bom dia.
onde escreves "concentração de riquezas em 10%..." é no mundo, pois no brasil é ainda pior.o que pergunto a respeito disso é se ja reparastes que tudo mundo concorda, desde que não mexam no meu? é deveras interessante.
a propósito, repetindo uma pergunta tua, para a turma inteira: voces ja leram Ismael?
fui
Público e privado;
o meu, o teu e o nosso;
adaptação e resistência;
tradição e transformação;
raízes e vôos lancinantes.
Como diz Cecília Meireles:
"ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro!"
A vida é cheia de paradoxos.
Sorte nossa - e felicidade coletiva - quando pautamos as escolhas na ética:
aquela universal, que diz da essência humana.
Tecer este bem comum com dignidade pode fazer a diferença...
Do caos vem a criação, o novo.
Cecília é sábia em seus versos:
"Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares".
Mas nossa essência incansável busca a interseção ar/chão.
P.S. TABÁ, virou rotina TE LER nos finais de semana. Como também é bom LER Cíntia, Gislaine, Júlia, Aderbal...
Pessoal:
Obrigado pelos comentários!!
Quem quiser ler o artigo completo do Hardin, vá em:
http://www.dmat.furg.br/~taba/tragcomum.htm
Oi professor Tabajara (diga-se de passagem, mesmo em júbilo continuará trabalhando como professor, conduzindo sabiamente seres humanos nos caminhos da educação ! Os seus textos do Blog já são um exemplo disso! Verdadeiras lições de vida de quem tem muito a ensinar! Um verdadeiro sábio! Gostei muito do seu blog! bjo e muito júbilo!!!!! Carpe diem!
Superpopulação
Tabajara, aprofunde este assunto. Sempre ouvi dizer que a culpada é a Igreja, mas como explicar a China?
Outros dizem que é a ignorância e a falta de educação do povo. Como dizer que os Indús são ignorantes se as mais importantes cadeiras docentes da América do Norte estão nas mãos deles? Como dizer que não tem educação se vivem aos bilhões em harmonia e civilidade?
Eu não tenho dúvidas de que este é o grande mal que assola a humanidade, mas a entendo muito pouco.
Correção (de novo)
Este anônimo aí sou eu Tabajara. Eu não apanho só da mulher, esta droga de computador também me dá umas porradas em vez de quando.
eu li. estou ti acompanhando sempre.te adoro. pode ter certeza.
Rodrigo Moreira
Tabajara !Foi bom voltar a ler teus escritos.Teu blog está ótimo.
Sentia falta deles no riogrande virtual.
Um abração
Altmayer
Oi, Tabajara
É um prazer poder ler o que escreves e, de uma certa forma, dar prosseguimento àquelas conversas que tínhamos seguidamente, no tempo em que compartilhávamos o mesmo prédio no trabalho. Lembro de quando nos presenteaste uns 8 ou nove anos atrás (no século passado...!?!) este artigo de Garrett Hardin para ilustrar uma conversa que tivéramos exatamente sobre o espaço comum e a nossa atuação dentro dele.
Recentemente reencontrei o teu "presente" de então e pude, com renovada satisfação, reler aquele belo texto, e, agora, o teu blog. Claro que concordo contigo mas, gostaria de destacar do texto original duas assertivas que a mim pareceram importantíssimas, principalmente devido ao fato de que normalmente não nos damos conta delas: a existência de problemas que não têm solução técnica (exclusiva); e a necessária limitação da liberdade individual (ou de grupos) mesmo quando esses fazem o que à primeira vista parece a todos ser o "correto".
O primeiro caso é um puxão de orelhas naqueles (e não são poucos) que, triunfalistas, acreditam que a técnica nos salvará sempre de qualquer "aperto". "Podemos poluir porque logo surgirá um despoluidor fantástico que reciclará tudo e ainda transformará os resíduos em energia". Ou ainda "Governos? Políticos? Fora com eles! Deixem os técnicos tomarem conta, afinal, eles sabem o que é certo", um outro tipo de pensamento que, ao meu ver, encaixa-se perfeitamente neste perfil, e com o qual nos deparamos frequentemente no dia à dia.
Já o outro tema toca numa questão que, para mim, é a essência da tragédia do espaço comum, quando todos, usando de suas liberdades individuais, fazem suas escolhas pensando no melhor para si e os seus, e, no geral, as coisas dão errado, não funcionam e os indicadores de qualidade do conjunto despencam para a perplexidade de todos. Exemplos disso não faltam. Chove e você escolhe ir de carro ao trabalho aproveitando para levar também seus familiares a seus destinos. Só que esta idéia racional e correta ocorre também a todos que têm carro e o resultado é um monumental engarrafamento que não deixa ninguém chegar a lugar algum.
Solução? Não há uma ideal e esta é a novidade. Toda solução acabará por atingir alguém no que hoje (Hardin também se refere à questão temporal) é tido como um direito seu - pode no futuro, desde que minimamente consensuado, não ser mais considerado como tal. É este o espaço da Política (com P maiúsculo, como Educação) que não pode, como diz o texto, ser substituído pela técnica.
Tabajara, agora dei-me por conta de que já tinha escrito demais e, pior, ainda nem cheguei a comentar o texto que discutimos outrora em que o autor tentava - e no meu modo de ver conseguia - provar que, sempre que o critério for o melhor para mim, mesmo ao fazermos escolhas "racionais", tidas como corretas ou aceitáveis, o resultado do todo será ruim. Essa "demonstração matemática" Vai ter que ficar para outra vez.
Um abraço do teu amigo
Eduardo (Duda) Carvalho Pereira
Oi Taba querido! É isso aí, o mundo está assim, mas podemos melhorá-lo muito se fizermos a nossa parte. Continua escrevendo. Beijão
Oi dindo! Adorei esse teu artigo, e é muito triste constatar a verdade. As pessoas tomam tudo como se fossem delas e não lembram que tem muitas outras dependendo das mesmas coisas. Eu vejo muito isso na universidade (o que é muito grave) onde a gente subentende que as pessoas tem um pouco mais de educaçao, elas emporcalham os banheiros, riscam carteiras e bancos, escrevem nos livros da biblioteca e usam os computadores da universidade para verem orkut e fotolog, enquanto outros esperam para fazerem trabalhos. O que a gente esquece é que acima da educação estão seus próprios umbigos. Infelizmente ´para mudar tudo isso, acho que vamos ter primeiramente que chegar a uma situação de caos. Só assim aprendemos, a força.
Um beijão!
Bem comum, foi um dos assuntos hoje na fisiologia da FURG, a definição do que é bem comum!? Alguns achavam que bem comum eram só aqueles materiais baratos que não dóem ao sair do bolso . Outros, nos quais me incluo, não valorizam o bem comum como algo barato, mas como algo que pode ser caro sim, que vai precisar de um esforço maior de todos usuários, para ser mantido em quantidades apropriadas.
O mais estranho é que diante do valor do ar puro (nosso maior bem comum, empatando com a água potável) acho irrelevante o preço de um tubo de ensaio...!!$!!#**
Tabá, sempre que posso leio os teus escritos, acho interessantíssimo o teu blog, pena que nem sempre dá para fazer comentários. Beijos. Sucesso!
Tabajara,
Adorei teu Blog. Tenho gostado demais das tuas crônicas... Ainda hoje a tarde me peguei rindo ao lembrar da : JOELHOS...
Um abraço!
Artigo inteligente e oportuno. Numa época de nova crise política que não será a última - nem a penúltima ... - é preciso reconhecer que também contribuímos para isso de alguma forma. Esperamos que os políticos sejam exemplares. Mas nós, cidadãos não investidos de cargos políticos, nem sempre somos exemplares. Haja vista os exemplos citados no artigo. E poderíamos citar outros tantos exemplos. Alguém escreveu "que de perto ninguém é normal". Há pouco, João Ubaldo Ribeiro escreveu que "o Brasil precisa de melhor matéria prima (humana)", referindo-se ao mesmo assunto. E quando somos flagrados em atitudes ou gestos assim, reagimos como se a "lei de Gérson" fosse a lógica.
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