Para quem dá tanta importância para a Educação, é de ficar pensando... Por que, afinal, chorei no meu primeiro dia de aula?
Pensei em algumas razões, que agora divido com vocês, se é que estão interessados no meu choro de criança.
A primeira razão, imediata, foi pela sensação de abandono materno. Dizem que as crianças, ou os muito idosos, não têm a noção do tempo que têm os adultos. Algumas horas podem parecer para elas uma eternidade, para sempre. Minha mãe foi me levar ao Colégio São Francisco e me deixou lá – mentiu, a danada, que ia ficar ali no pátio esperando, mas logo se mandou. Não era minha escolha, fui obrigado a ir sem explicação. Era uma escola particular católica. Hoje percebo o sacrifício que isso representava para meus pais, que sempre lutavam com muitas dificuldades financeiras. Foi um investimento, mas eu não sabia. Não queria era ficar longe do útero materno.
A segunda razão foi a de perder a liberdade – esta era uma razão intuitiva, não percebida por mim na época, suponho. A sala de aula é uma pequena prisão a que nos submetem, sem muitas explicações, às vezes. Ficar longe dos meus brinquedos, do meu espaço de correrias, dos amigos, por quê?
A terceira foi estampada na figura de uma freira, com hábito religioso completo e modos militares. Figura seca – exalando desafeto e racionalidade, uma espécie de monstro aos olhos de uma criança frágil. Lembro o nome dela até hoje. Vão me entregar para uma vilã de histórias em quadrinhos? Não seria a bruxa malvada em disfarce? Jamais comerei maçãs que ela me ofereça. Não estava parecendo nada divertido...
O processo de alfabetização entrou direto, mecânico. O bê a bá, sem dó nem piedade. Se ao menos tivessem me convencido que aquilo tudo serviria, mais tarde, para que eu pudesse ler o meu gibi sozinho, sem a ajuda de ninguém, seria mais convincente. Mas foi: é porque sim, porque é, e pronto.
Para que a gente possa se submeter a ser confinado àquela pequena prisão é necessário um pouco de convencimento. Mesmo os cachorros reagem desconfiados a qualquer tentativa forçada que empreendemos, ainda que seja para melhorar suas existências, para dar-lhes comida ou vacina ou... (sussurro)... banho. A Cleuza, que foi mandada sozinha, a pé, para a escola, teve a sensação de escolher estudar. Não chorou. Mais macho que muito homem... Além disso, é preciso haver compensação no investimento. Um pouco de divertimento, pelo menos – uma risada de quando em vez. Um pouco de afetividade, no mínimo – um afago verbal, um elogio, uma palavra de incentivo. Razões que compensem o abrir mão dos amigos e dos brinquedos.
Depois, descobri que o processo civilizatório – aquele que nos tranca o alimento para que trabalhemos por ele – adotou espertamente algumas compensações para que nos submetamos à escravidão do trabalho, aos horários rígidos da produção, ao acordar cedo sem vontade, aos desmandos autoritários dos maus chefes, ao puxar do tapete dos colegas falsos – como na escola. Essas compensações, ainda hoje acessíveis apenas a alguns privilegiados, traduzem-se em forma de livros do Salinger, músicas do Mozart, rocks dos Beatles, guitarra do Ry Cooder, poesia do Bob Dylan e do Chico Buarque, suavidade do Paulinho da Viola, humor do Mr. Bean, gibis do Spirit, ipods, cinema, teatro, blues do Tom Waits e ... vinho tinto.
Resistir quem há de.
sexta-feira, março 31, 2006
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9 comentários:
A freira tinha óculos de aros grossos. Até podia ser, Dinei. Mas, esqueci de dizer que era um colégio de Pelotas...
Oi Taba! Sabes, nao chorei no meu primeiro dia de aula, acho que sempre "paguei pra ver". Mas em despedidas, choro sempre, mesmo que escondidinho. Choro escondido nas despedidas do pai e da mae... Qdo cheguei aqui fiz 2 semanas de aula de ingles na Library (8 aulas apenas), depois disso troquei para outro curso mais interessante. Tu acreditas que sai da ultima aula chorando! Ate hoje qdo encontro uma ex-colega indiana nas lojas ou no super a gente se abraca e conversa de maos dadas. Culturas diferentes, mas a mesma necessidade de carinho. Me apego MUITO facil as pessoas... Meus coracao e cheio de saudade.
Tabá...eu não chorei no meu primeiro dia de aula...pelo menos não quando comecei a minha primeira série. Acho que eu já estava acostumada com o ambiente escolar, pois já ia pra escolinha desde muito cedo, o que para mim tenho como muito positivo! Do meu primeiro dia na escolinha não lembro, mas devo ter chorado! Depois vou perguntar pra minha mãe para te auxiliar na tua pesquisa!!
Da minha 1 série tenho recordações muito boas. Lembro que gostava muito da minha professora, e até hoje lembro o nome dela: Noeli!! Das professoras das outras séries, muitas não lembro o nome...acho que não fizeram muita diferença positiva!! Mas lembro de um menino que chorou muito no primeiro dia de aula...foi um dos maiores fiascos que eu já presenciei!!! A professora trancou a porta da sala de aula e o menino se jogava contra a porta na tentativa de sair! Tanto ele fez que conseguiu abrir a porta e como morava próximo da escola saiu correndo para casa!!! Foi um pandemônio!!!
É isso Tabá! Estou adorando tuas crônicas! Um abração de ursa! Karen.
Fala Taba!
Grande professor e sempre amigo!
Tchê, do primeiro dia lembro não...
Mas quem não encheu os olhos de emoção
No último dia de aula contigo?
Saudades do Metamorfose, aqui no NE não rola...
Grande abraço e parabéns pelas crônicas!
Oi Taba!!!!
Achei massa teu texto... mas eu, não chorei no meu primeiro dia de aula!!!! Tinha tanta angústia pra ir a aula q não faltava nem que chovesse canivete....
AH! Visita meu blog, ainda ta começando, mas já escrevi algumas coisas, ah! e quero que saibas, só criei este blog por influência tua viu?! Então tens q ser frequentador assíduo...
Bjão
Oi Tabajara,
Não chorei no meu primeiro dia de aula, acho que ainda estava interessada na novidade. Mas depois, lembro que passei um tempo chorando durante o recreio (escondida no banheiro). Não sei dizer o porquê. Hoje poderia até dizer que meu inconsciente estava se rebelando de alguma forma contra o sistema, mas realmente não sei dizer, só lembro que passei esse tempo, não muito longo, chorando no banheiro. Acho que realmente era alguma coisa no sistema da escola (que também era uma escola de freiras) que estava me oprimindo de alguma forma, pois não acho que foi por sentir falta de casa, já que sempre fui bem independente. Minha mãe conta que, quando ela me pôs no balê quando eu tinha 3 anos (portanto bem mais nova), na primeira aula ela ficou lá me esperando, achando que eu podia chorar ou outra coisa. Mas ela, toda desiludida, disse que eu fiquei é fazendo sinal para ela ir embora, que eu não precisava que ela ficasse me cuidando.
Beijos,
Giovana
Muito emocional, esse historia. Nao me lembro exactamente, mas acho que nao chorei no primeiro dia, penso que chorei mais tarde, quando discobri que a minha professora nao era simpatica!
Gosto muito dessa historia.
Paz e amizade da tua irma inglesa
Xanxa
Mais forte para mim está no anterior ao 1º dia: ansiedade para freqüentar a escola comunitária que fazia parte do mundo de minha mãe (diretora/professora), dos irmãos, primos e colegas... putz, não chegava a minha vez!!! Seria emocionante poder ler sozinha! A preparação e organização da pasta de napa preta com zíper (atualmente substituída pela mochila), preenchida com os cadernos lindamente encapados em ritual familiar, o deslumbramento diante da caixa de lápis de cor... Até hoje aquarelas, têmperas, guaches, giz pastel, giz de cera, tintas multicoloridas etc, etc me fascinam! A merenda embrulhada em guardanapo de pano... posso sentir o aroma, em meio a pontas de lápis, figurinhas, grafite e borrões. O estojo guardando preciosidades e mistérios. Quanto ao primeiro dia, lembro-me de banhar-me, pôr o tapapó branco e dirigir-me para a escola... parece que acompanhada por minha tia adolescente (que mais agoniava do que "me bancava"... pois era tudo muito familiar)ansiosa, feliz e preocupada que "os outros" rissem de minhas pernas cobertas por Pomada Minancora (picadas de inseto infeccionadas? alergia? processo psicossomático? Hoje é difícil diagnosticar, eh!eh!). Depois há um grande "branco" - entrecortado apenas pela lembrança das brincadeiras no pátio, dos amigos e amigas e da puta dificuldade de me situar diante daquela diretora sendo minha mãe e/ou daquela mãe sendo minha diretora. Foi "suado" emocionalmente, bem como aprender a ler. Nem lembro direito da professora. Com toda esta frustração... sou amante incondicional da literatura e orgulho-me existencialmente de ser educadora. Aprender a viver pela dor e pelo amor fortaleceu-me e hoje posso atuar no primeiro dia de aulas de muitas outras pessoinhas. Um brinde de vinho tinto contigo, querido Tabá.
Taba, eu não chorei no primeiro dia de aula mas me recordo até hj de me grudar nas pernas da minha mãe e uma amiga fazer o mesmo nas pernas da mãe dela, hahaha
Aí ficamos espiando uma a outra pelo meio das pernas delas...
Enfim... ambas meio assustadas com a novidade!
Hoje ela é a madrinha do meu filho... E ele estuda na mesam escola que estudamos, hehehe
Bons tempos estes...
"Quando éramos felizes e não sabíamos"...
Beijooooos
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