quinta-feira, março 23, 2006

O pescoço da coruja

Hoje reedito um texto que publiquei na Rio Grande Virtual. Quem já leu, perdão...

Foi meu amigo Betito que me ensinou sobre isto.

Um belo dia ele me perguntou se eu sabia por que o nosso corpo havia evoluído para ter os olhos frontais. Ou, para aqueles que não querem aceitar a Teoria da Evolução darwiniana: por que o responsável pelo projeto do corpo, havia decidido que os nossos olhos seriam frontais? Aí, ele me deu longas explicações sobre olhos frontais e laterais.

Resumindo: olhos frontais são necessários para ajustar o foco do olhar, muito apropriados para os predadores, para os carnívoros (que comem carne) ou onívoros (que comem de tudo, inclusive carne), os quais precisam focar aquilo que desejam apanhar (uma fruta ou uma presa). Enquanto os olhos laterais são próprios para a fuga em zig-zag da presa – um olho no predador, outro em direção da toca – diferentemente do predador, com olhos em foco, que tende a seguir em linha reta.
São as estratégias de equilíbrio da vida.
Nós humanos somos, portanto, predadores. Grandes predadores.

A coruja é um animal predador. Seus olhos são frontais e agudos. Elas caçam e se alimentam de pequenos animais.

Foi então que ele me perguntou sobre o pescoço da coruja. Como se sabe, a coruja vira o pescoço para trás, sendo capaz de olhar as próprias costas. Como se explica que o projeto humano seja destituído de tal estratégia? Guardar as próprias costas é um mecanismo importante de sobrevivência para as corujas contra seus próprios predadores.

Em humanos, o único caso que se conhece de pescoço para trás, apareceu no filme “O Exorcista”, quando a atriz Linda Blair, possuída por Satã, virava o pescoço do avesso para aterrorizar o pobre padre e os espectadores da minha geração.

Como sobrevivemos até hoje sem esse mecanismo? Como escapamos do tigre que se aproximava sorrateiramente pelas nossas costas, com suas patas acolchoadas, sem ruído algum? As pessoas desenvolveram um sexto sentido para o perigo? Algumas, talvez. A maioria não. Como descobrimos sinais suspeitos em lugares inacessíveis do nosso corpo? Como passamos uma medicação no meio das costas, quando necessária?

A forma que usamos até hoje para guardar as nossas costas, foi a de utilizar os olhos de outro ser humano. Enquanto eu cuido das costas dele, ele cuida das minhas.

Foi assim que sobrevivemos até hoje sem o mecanismo do pescoço da coruja. Não precisamos dele, fomos feitos para viver em grupo e cuidarmos uns dos outros. Está no projeto.

Quando estamos sós, numa rua deserta à noite, parece que o nosso sexto sentido se aguça, pois aí não temos o companheiro humano.

Foi o amor ao próximo que nos manteve vivos até hoje, como espécie.

O amor é bio-lógico, isto é, faz parte da lógica da vida.

13 comentários:

Anônimo disse...

E os dois olhos humanos devem funcionar como um único olho centrado na testa, chamado olho ciclópico, em analogia com o olho dos gigantes Ciclopes, ajudantes de Vulcano.
Valeu reler este texto que já conhecia do riograndevirtual.
Abração

Anônimo disse...

Sandra (de Floripa)
Tabá, nossos olhos frontais dão muito o que pensar. Um grande desafio é ajustar o foco em se tratando de "cuidar"... da vida.
Tô lendo teu livro. Qualquer dia bateremos um papo sobre educação com e maiúsculo. Bjãozão.

esperanca disse...

...então isto não é um defeito de fabricação? o giro incompleto é proposital?

Também acho que sim.

Grande abraço.

Anônimo disse...

Taba, vou te dizer, a coisa está tão feia e sobreviver (em todos os sentidos) anda tão complicado, que tenho visto até coruja vivendo em bando!!!

Anônimo disse...

O amor faz parte da lógica da vida ...assim terminou o texto. A questão que coloco é relação direta que se apresenta entre amar e este cuidar com cara de preservar. Será?.....

Anônimo disse...

Bem legal! Como o Hogweed disse, nao podes olhar as tuas costas porque a tua cabeca e na direcao oposta!

da tua amiga e irma inglesa

Xanxa Bartlett

Tabá disse...

Zé:

O poder, uma necessidade básica humana, é o amor pela espécie, na minha opinião. Assim, acho que o "amar" e o "preservar" estão conectados. No entanto, a eficiência social desse amar depende: da densidade populacional do sistema e do nível de consciência dos participantes...

Anônimo disse...

Ah! Esses tempos de relativismo explícito me divertem. Como estudante, nem sempre aplicado é verdade, procuro tornar o que é para mim obscuro, pelo menos um pouco mais claro. E a tal teoria evolucionista versus teoria criacionista gerando controvérsias e prosélitos de ambos os lados. Laplace, com a arrogância dos materialistas desdenha da presença de Deus para as teses científicas(?). Já li sobre o tal postulado da necessidade defendido pelos cientístas cépticos em relação à necessidade de um Autor, já que existe um processo em que tudo o que não é da natureza e foi criado pelo homem nasceu, necessariamente, num projeto ideal, dentro de nossa cachola. Em consideração a esse fato, podemos afirmar que qualquer coisa criada pelo homem é uma impossibilidade pensada. Impossibilidade porque não existe através da natureza, mas tornada concreta pelo esforço humano, pelo trabalho. Há quem diga que é exatamente nessas condições que temos a semelhança com o Creador. Pensamos(idealização), pela vontade ( motivação)e ação(concretizamos). Não há como constestar a ordem desse processo. Mas volto ao pescoço da coruja. Bullshit. Que me perdoem os que gostam de buscar nos irracionais, características globais nos homens, ainda que animais racionais. Fico a me perguntar onde andará o tal elo perdido. E os recém nascidos humanos que não sobrevivem como qualquer animal inferior? Perdemos exatamente o impulso para a sobrevivência, característica de qualquer ser biológico? Nem a teta da mãe a criança sabe localizar. Ó instinto de sobrevivência, por onde andarás. E ao falarmos no amor. O quequéisso gente. São reações quimicas que nos fazem aproximar macho e fêmea, ou o amor que leva os pais a amarem seus filhos por instinto de cria. Não consigo ver coerência nisto, além da especulação. Somos como cegos com uma arma na mão dando tiros intelectuais. Em algo haveremos de acertar.
Não costumo aceitar o que leio por aí, mesmo que a assinatura venha através de uma autoridade. As científicas costumam cair ao longo da história. Muitos não perceberam que a Escola de Sagres já foi o que a NASA é hoje em dia. Desdenham do conhecimento antigo como se fossem tolos. Ah! Extraordinária Grécia que nos ensinou a pensar com lógica. Bendito seja Sócrates, Platão, Aristóteles e os outros que os antecederam e seguiram até os nossos dias. E que pensar do Mestre Jesus? Tal qual Sócrates, não escreveu uma linha sequer e, no entanto, discutimos Suas teses até o momento em que escrevo. Curioso, não? Escrever livre e solto tem dessas coisas. O pensamento faz uma varredura em nosso baú existencial. Veja como o pensamento humano é complicado. Qualquer idiota sabe que não existe efeito que seja maior que a causa que o produziu, certo? Então a semente é causa da árvore, por exemplo? Ó materialistas de plantão, como explicar a organização de uma árvore, como por ex. a sequóia, mostrando a semente que a gerou? E se a semente não encontrar as condições necessárias para se romper, onde estará a sequóia? O amor é lindo, como diria o poeta, mas se imaginarmos que sua causa é provocada por reações fisico químicas então, ele se torna o quê? Pensem, amiguinhos. Todos temos hardware chamado cérebro, mas por que é que o da maioria não funciona? E quantos conhecemos que realmente pensam? Guardar informação e descarregá-las em aula, ou em palestras, ou em discursos pelo universo pode ser muito bonito, mas isto significa conhecimento? Me engana que eu gosto. Pensar, já dizia meu avô, dói. No pain no gain.
O sol insiste em manter sua trajetória repetitiva num final de tarde, mas o faz com um brilho sempre sedutor. Como testemunho exige, pelo menos hoje, a presença de umas nuvens que é quase certo que as usará como pano de fundo para a sua criativa pintura. Hasta la vista baby, que já estou com os cabelos, que não tenho, totalmente revoltos.

Léo guedes

Anônimo disse...

Oi passei por aqui...
Não posso deixar de te ler, hehehe
beijooos!

Anônimo disse...

Oi, td bem? Adorei o texto, muito bom, fiquei um pouco preocupada c/ a "preservação da nossa espécie", visto que o amor ao próximo já é quase um sentimento em "extinção". Bjksss da Ro

Anônimo disse...

Oi, Tabajara

Ler-te é (quase) como conversar contigo, como já te disse antes. Isso sempre me leva a pensar e me permite até volta e meia "viajar na maionese". Mas é nessas horas que a gente vai arrumando os pensamentos e "remexendo no baú" como disse o Léo.

Neste texto retomas uma questão que já tinhas abordado antes em A Tragédia do Bem Comum, que volta e meia te aflige e que, dentre outras, te chama a escrever: somos talhados para o amor, a solidariedade, ou para sermos competitivos "predadores" em relação a tudo o que não seja nós?

Alguns defendem que predadores são assim mesmo, predam até mesmo os de sua própria espécie quando de grupos rivais. Tem-se observado que, no limite da dura luta, este nós tende a diminuir e a se igualar a eu. Hobbes disse:"O homem é o lobo do homem".

Baseados nesta pretensa naturalidade, criaram um sistema que, incentivando este comportamento individualista (predador) de sempre querermos estar à frente do outro, permite à sociedade, segundo dizem, atingir o máximo esforço na produção de bens. Agregam ainda que, onde cada um buscar o melhor para si, no todo as coisas se ajeitarão como que arrumadas por uma mão mágica.

Ocorre que este é um comportamento doente que explora um de nossos maiores defeitos, a vaidade, a vontade de querer ser mais que o outro. Ao se incentivar sentimentos como esse na verdade se abriu a Caixa de Pandora e se permitiu que, aos poucos, atitudes como a que descreveste no outro texto fossem se tornando habituais e, cada vez mais, encaradas como "naturais".

Como tu, eu também penso que nascemos para a solidariedade. Mais, só sobrevivemos por causa disso, porque havia alguém a cuidar de nossas costas enquanto olhávamos à nossa frente. Ou chegamos todos juntos ou não iremos a lugar algum.

Outros podem objetar que não foi a solidariedade mas sim a inteligência que nos manteve vivos como espécie num mundo altamente competitivo. Só que, ao meu ver, foi (e continua sendo) altamente "lógico" e inteligente ser solidário com o próximo, conceito que vem sendo bastante alargado ultimamente. Parece que finalmente começamos a perceber que se não formos solidários para com as outras espécies, o meio-ambiente, a terra e o mesmo o universo inteiro, não teremos futuro.

O diagnóstico da Rosaura Dias no teu blog é perfeito: em um sistema que vai na direção oposta ao amor solidário, tendemos a desaparecer como espécie por sermos incapazes de, solidariamente, tomarmos as atitudes que, mesmo não sendo as melhores para nós individualmente, são as melhores para o todo.

Se a nossa inteligência nos salvou lá no passado, creio que é nos tempos atuais que ela enfrenta o seu maior desafio: vencer a nossa vaidade, o nosso hedonismo e a nossa acomodação.

Eduardo (Duda) Carvalho Pereira

Anônimo disse...

Tabajara, lembrei-me de uma parábola que vem bem a calhar.

Contam que um dia perguntaram a um velho mestre de uma religião oriental qual era a diferença entre o "céu" e o "inferno". Para surpresa de seus interlocutores o mestre respondeu que eram muito parecidos: em ambos havia uma porção de gente acorrentada em bancos à volta de um enorme prato de cheiroso arroz recém cozido. Eles não podiam se levantar para se servir do arroz mas todos traziam, amarrados às mãos, um par de "palitos" longo o suficiente para, de onde estão, alcançarem a pilha de arroz cozido.

Vendo o espanto no rosto deles, após um pequeno silêncio o mestre prosseguiu:

- A diferença está em que, no inferno, eles tentam levar o arroz diretamente a sua própria boca. Com palitos grandes eles não conseguem alcançá-la, sofrem de fome e maldizem sua sorte. Já no céu ninguém passa fome e todos são felizes; eles levam o arroz até a boca daquele que está ao alcance dos seus palitos.
(autor desconhecido)


Eduardo (Duda) Carvalho Pereira

Karen Lose disse...

Adorei reler a história da coruja! Outro dia estava falando sobre isso aos meus alunos!!! Sinto muita falta do Betito, entre outras coisas, porque cada vez que saía da companhia dele estava cheia de idéias pululando em minha mente (entre elas a da coruja!)!!! Isso é Educar, com E maiúsculo!!!
Tabá, escreve um dia sobre as necessidades básicas do ser humano?? Me lembro da vez em que fostes dar uma palestra pra minha turma da Bio, por pedido da Gilma...depois li tua tese para utilizá-la no meu projeto de estágio...e me encantei sobre este tema! um beijão, Karen.