domingo, março 16, 2008

Os Filhos de 64

O rico acorda tarde, já começa resmungar
O pobre acorda cedo, já começa trabalhar
Vou pedir ao meu Babalorixá
Pra fazer uma oração pra Xangô
Pra por pra trabalhar gente que nunca trabalhou

Maria Moita (Carlos Lyra)


Os filhos de 64 têm conhecidos que resistiram à ditadura militar verdadeiramente e foram exilados ou torturados. Eles mesmos passaram um tanto despercebidos. Tinham medo de o vizinho ser do DOPS e esse medo, mais as infalíveis conversas de bar com os amigos, foram suas formas de resistência. Mais tarde, votaram em Tancredo e ele morreu. Choraram na frente da Rede Globo.

Os filhos de 64 postam-se na esquina do centro da cidade, falam mal dos conhecidos, põem em dia as últimas sobre as fraquezas dos amigos e, reparando que um agente de trânsito está a multar um carro mal-estacionado, atrevem-se a destratar o agente, afinal um símbolo da repressão, como qualquer um que use farda. Caso o agente revide o insulto é destratado mais ainda, sendo posto em seu lugar de serviçal. Os filhos de 64 pagam os impostos, pagam o agente e chamam os policiais de “ratos”.

Os filhos de 64 consideram as drogas uma rebeldia, uma atitude contestatória. Quando confrontados com qualquer argumento contrário, taxam logo o oponente de “careta” e resolvem a discussão. Se o oponente ousar associar o consumo de drogas à violência urbana, é logo execrado como neo-liberal ou fascistóide. Nas suas mesas de bar, bebendo com os amigos, reclamam da falta de segurança para eles, seus filhos e netos. Reclamam da autoridade mais próxima, desde que não seja do partido político de suas preferências.

Os filhos de 64, no terreno artístico, têm uma saudade inconfessável da época da repressão política, quando se faziam músicas de protesto de verdade, e sonham com a volta do velho Chico e do Vandré, enquanto cantam “Maria Moita” no banheiro. Suspiram por Ruy Guerra, Glauber Rocha e José Celso.

Os filhos de 64 não podem, por princípio, aplicar qualquer repreensão aos filhos, que sem qualquer freio, podem ser pretensiosos e arrogantes com quem ouse contrariá-los. Os seus filhos aplicam o mesmo princípio aos seus netos, no que são constantemente reforçados por eles.

Os filhos de 64 têm uma neta gordinha de 10 anos, barrigudinha, saia curtinha, barriguinha de fora, que entra no restaurante na frente dos pais, escolhe a mesa, dá ordens ao garçom, reclama da comida, entedia-se com facilidade com qualquer conversa e sai pelo restaurante a encarar o restante dos clientes. Não aprova nenhum deles.

Os filhos de 64 têm netos que assistem Encouraçado Potemkin e odeiam filmes estadunidenses.
The dream is over
(John Lennon)

6 comentários:

Tabá disse...

Para não ferir suscetibilidades: eu sou filho de 64. Este texto é uma semi-autocrítica.

Anônimo disse...

Tabajara, eu nasci antes de 64, mas era muito pequeno para entender qualquer coisa naquela época. Não vi muita diferença, quando os filhos de 64 assumiram o poder. Já teve mensalão, muiiiiiitas mentiras ao vivo na frente da TV, cartões corporativos e assim vai.
Carlos Luz

Andréia Pires disse...

fico aqui pensando com os meus botões.. não sou filha de 64, neta talvez, mas de um 64 que não foi vivido assim tão aos extremos da contestação.. talvez porque a Rede Globo ainda não alcançasse essas bandas...
A geração de 64 fez o que tinha condições e gerou frutos os possíveis, me parece. Mas muito se perdeu entre os filhos e os netos, ficou uma arrogância vazia, sem referências pros que chegam e o desencanto aos que envelhecem e não encontram mais nem cheiro daqueles sonhos.
Muitas dúvidas essa história me dá.. mas pensar é sempre bom exercício. :) bjo.

Antonio Esperança disse...

Oi Tabá!
Retornou contudo. Dando-nos alimentos para a cabeça. Quanto ao momento que passamos, acho que estamos de ressaca. Meio que se perguntando: o que é isso, companheiro???

Falando de música, numa hora dessas coloca uns Metamorfoses na pastinha?

Abraços.

Antonio E.

Anônimo disse...

Prefiro pensar que "pensar/sonhar daquele modo" é que não tem mais significado... e que estamos descobrindo outros modos de viver/projetar/sonhar... e olha que nasci exatamente no dito ano.
Há muito decidi que não sendo Polyana, não deixarei de ressignificar perspectivas.
Bjão, da Sandra.

Anônimo disse...

Meu primeiro dia de escola foi no início de março de 64. Bá, isso deve ser um indício forte (não sei bem do quê) na minha formação... Serei um típico filho de 64? ou os mais típicos entrariam na escola mais tarde, quando 64 já influenciava mais a pedagogia?
Meu sonho (atual) de ter uma Vemaguet pré-67 tem a ver com isso?

Abração, Tabá (Será que conseguiremos anexar Chuck E. Weiss na pauta da RU?)
Reguffe