quinta-feira, abril 19, 2007

Banzo

Foi minha avó quem me contou: meu bisavô morreu de banzo, num navio negreiro.

Minha bisavó estava no mesmo navio, grávida de minha avó e viu tudo. Ele foi ficando triste, triste, não comia mais, acabou morrendo. Minha bisavó contou a história para minha avó, que contou para minha mãe, que contou para mim. E agora eu conto para vocês.

Minha avó contou que, quando estavam na África, meu bisavô era um jovem muito ativo e divertido. Caçava e repartia a caça com outros menos dotados, fosse por velhice ou por tenra juventude. Depois da caça ia para o seu abrigo e, junto com a família, contava história de seus antepassados, quase sempre louvando seus feitos, mas às vezes eram simples anedotas, em que todos riam muito. Ele tinha um cuidado especial com os seus filhos, amando-os muito. Ele era muito respeitado pela tribo, pela inteligência e senso de justiça, resolvendo as diferenças entre litigantes. Como era muito senhor de si, sua segurança fazia com que escapasse de situações difíceis que costumam acontecer na selva.

É uma história interessante para se pensar aquela em que, ele e um amigo, defrontaram-se com uma fera faminta. Meu bisavô escapou apenas pelo sangue frio. O amigo, que entrou em pânico, inseguro, sem saber o que fazer, acabou alimentando a fera, pois congelou, enquanto meu bisavô, seguro de si, conseguiu ver uma saída para escapar. Isso me fez pensar que a evolução não é resultado da lei do mais forte, mas do melhor adaptado. E o melhor adaptado é o melhor educado, o que tem mais conhecimento, mais sabedoria. Como aprendi agora: somos descendentes dos que aprenderam, já que os que não aprenderam, sucumbiram.

Quando houve a grande caçada de nativos da tribo para o navio negreiro português, meu bisavô foi apanhado à força, junto com os seus. Sempre me pus a pensar porque ele havia escapado da fera e tenha sido apanhado pelos homens. Nunca pude saber ao certo como ele se deixou apanhar. Mas sei por que ele morreu.

Fico imaginando-o no navio negreiro, com minha bisavó grávida no porão. Percebo o quanto sentiu a falta de liberdade a que estava acostumado e, como anteviu a vida de escravidão que o esperava.

Sua sobrevivência estava em alto risco, juntamente com a sobrevivência da sua prole.
De repente, ele não podia sentir mais o amor da mulher, nem dos filhos e amigos.
De repente, não era mais respeitado.
Não havia, nem mais haveria, riso e diversão.
Quando lhe tiraram a liberdade, tiraram-lhe a vida.

O banzo, afinal de contas, é o que os brancos chamam agora de depressão.

Meu bisavô morreu de depressão...

6 comentários:

esperanca disse...

Oi Tabá!
Lembrei do Gonzaguinha...
Guerreiros são pessoas tão fortes, tão frágeis, guerreiros são meninos no fundo do peito, precisam de um descanço, precisam de um remanso, precisam de um sono que os torne refeitos (...)
É triste ver esse homem guerreiro menino, com a barra do seu tempo por sobre seus ombros
Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra a dor que tem no peito pois ama e ama(...)
O homem se humilha se castram seus sonhos, seu sonho é sua vida e vida é trabalho, e sem o seu trabalho, o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre, se mata...
Não dá pra ser feliz...não dá pra ser feliz...

E assim seguimos por esse mundo esquecendo que se não somos felizes e livres, morremos, seja do que for, banzo, depressão, desistência...

Abraço!

Tabá disse...

Antonio:

Outra música incidental:

Hoje o olhar de mamãe marejou (só marejou)
Quando se lembrou do velho,o meu bisavô
Disse que ele foi escravo e não se entregou à escravidão

Coisa da Antiga (wilson Moreira & Nei Lopes)

vizzotto disse...

Oí Taba ,
Tudo bem contigo!
Realmente você tem razão , na maioria das vezes nossos problemas são recorrentes e não nos damos conta disto. Certamente a privação de liberdade e perspectiva de felicidade podem ser os maiores geradores de tristeza profunda ou atualmente "depressão".

Anônimo disse...

Oi Taba muito bem colocada, esta relação "tempo, meio geográfico, luta pela sobrevivencia, Hoje estão simplesmente fragmentando este Banzo. Não é por acaso que as doenças do momento seja o "Pânico" Transtorno Compulsivo, entre outros as doenças de momento.

esperanca disse...

Oi!
Não conheço a mísica, mas entendi a emnsagem.
Não se entregar nunca.

Façamos isso!

Abraço.

Anônimo disse...

E quanto banzo pós-moderno!!!!