
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
Carlos Drummond de Andrade
Minha mãe podia jurar que eu iria ser militar. Afinal, era Dia do Soldado, estariam transladando os restos mortais do Duque de Caxias naquele dia e a enfermeira colocou no meu berço um cobertorzinho – estava frio, é claro – cheio de soldadinhos.
Bem que ela queria que eu me desse bem na vida. Minha mãe, não a enfermeira. Na época ser militar ou juiz de direito era o sonho que ela traçou para mim. Mas daí ela inventou me chamar de Tabajara. Nome de militar não era, nem de juiz, era nome de índio...
Como os nomes traçam os destinos, minha única experiência com os quartéis foi para fazer o alistamento. Creiam, e contenham o riso, os que me conhecem pessoalmente, fui dispensado, na primeira vez, por...falta de peso. Eu era praticamente raquítico. Chamaram-me de excedente e um certo capitão me mandou voltar no ano seguinte, no mês tal, dia tal, para ver se eu havia engordado.
No ano seguinte, ainda magro, mas não mais raquítico – conseqüência da comida da Diná, na Casa do Estudante – voltei aos quartéis, no mês tal, dia tal, como combinado. Quando cheguei lá estranhei a falta de outras pessoas para fazer o alistamento. Perguntei onde seria e disseram-me que o alistamento havia sido na semana anterior! Frio na espinha. Disseram mais, que eu deveria servir na tropa comum, por ser considerado refratário ao serviço militar, perdendo o direito ao NPOR – sigla que até hoje não sei o que significa, só sei que seria uma espécie de serviço militar mais ameno, privilégio de estudantes universitários, permitindo que estes completassem a universidade ao mesmo tempo em que serviam à Pátria. E eu já havia ingressado na Engenharia naquele ano. O transtorno significaria ter que desistir dos estudos por algum tempo.
Achando-me injustiçado, resolvi procurar o tal capitão que me havia passado a informação do mês tal, dia tal. Disseram que ele estaria em casa. Deram-me o endereço e fui até lá. Ele mesmo abriu a porta. Expliquei o caso todo, disse que iria perder o curso etc. Para minha decepção, ele negou. Disse que não passaria tal informação errada. Noutras palavras, eu era um trapaceiro, um mentiroso.
Leve em conta o caro leitor, que corria o ano da graça de 1968, quando a gloriosa “revolução militar” estava ainda no início. É claro que um militar não poderia admitir um erro daqueles, já que eles diziam que estavam administrando a bagunça do País...
Perder o Curso significaria muita coisa para mim. Seria depender mais tempo dos parcos recursos da família.
Voltei, entre conformado e indignado, para fazer o alistamento. Na hora do exame médico, resolvi desabafar com o médico que estava trabalhando. Contei tudo a ele. Fiz queixa do capitão. Acho que, pela sinceridade que usei, ele disse que iria dar um jeito. E me dispensou do serviço militar por... falta de peso. Passei de refratário a excedente de novo. Virtude do jeitinho brasileiro...
E o mundo ganhou mais um professor de Estatística.
Cada vez que lembro desse episódio, penso na estória infantil de “Joãozinho e Mariazinha”, presos numa gaiola, onde a bruxa malvada examinava diariamente seus dedinhos para ver se haviam engordado, a fim de comê-los depois. Com a intenção de enganar a bruxa, eles davam uma cola de um rato para ela examinar.
Aquele médico foi o meu rato...
Hoje em dia, adoro comemorar o Dia do Soldado. Como uma criança. Aproveito a data para reunir os amigos, que são afinal o bem mais precioso que coleciono.
Nem precisam levar presentes.
Se bem que um Brunello di Montalcino sempre cai bem..
10 comentários:
Parabéns! um abração
Oi Taba,
Tu és mesmo gente fina! E de pensar que ser assim (nos dois sentidos)te permitiu escapar do serviço militar.
Cara também não sei o que significava NPOR, mas eram esses os carinhas que a gente gostava mais de "ficar cuidando", entenda-se "paquerar" na lingua dos 90s.
Te li também no peixe frito, tava sensacional a matéria do Ozzy! Mas não vai me fazer escutar heavy-metal, é muito hard para mim.
Dá uma olhada nas tirinhas do Renan Colares e da Rosali no peixe-frito, são meus primos, um orgulho!
E feliz aniversário então, o presente vai ser quando vieres palestrar no chá da cinco da Fisiologia!
Beijocas, Carlinha, uma das loucas.
grande Taba: parabens pelo aniversário.
Muito boa a solução que foi dada ao caso. Denota sabedoria.
Ah, NPOR significa Nucleo Preparatorio de Oficiais da Reserva. Se tivesses ido quem sabe como oficial não terias podido mudar um pouquinho a historia?
Parabéns de novo.
Aderbal
Pois é, ia te escrever um e-mail pelo dia do soldado mas aí resolvi passar pelo teu blogue e pude ver que não fostes um desertor. Pior, fostes um refratário. De onde se tira uma palavra dessas como adjetivo a uma pessoa? Não sei a razão, mas a única coisa com que associo é com PIREX (ou PYREX), o prato (coisas de DNA,)que penso não existir mais. Acho que na propaganda dizia que ele era refratário ao calor ou coisa parecida.
Podes dizer em alto e bom som: eu fui um refratário!!!Um refratário ao serviço militar, mas não um refratário às pessoas, ao amor, a todas as coisas boas da vida. Longa vida para ti, meu amigo refratário com nome de índio. Os reservistas de segunda categoria te saudam e têm o maior orgulho de terem a tua amizade.
Osmar
Querido Tabá, Parabéns pelo dia de hoje.Ainda não consegui falar contigo, vou continuar tentando. Vi que o maridão também já te cumprimentou.Mesmo antes de ver quem assinava aquele comentário já vi que era o Seu Aderbal, pois saber o que é NPOR, são bem poucas pessoas e sabia que ele era uma dessas.
Tabá lendo o teu texto, fiquei muito emocionada, quase chorei (de verdade), imaginando o teu pânico ao ver que tinhas perdido a data de te apresentar. Eu ainda não conhecia esta história, ainda bem que pensastes como eu: não há nada que uma boa conversa não resolva. Bendito Médico!!
Beijos Glene
Oi Tabajara!
Dizes que os nomes traçam o destino. Será? Em que o teu foi traçado por um nome de índio? (não vale dizer que estatística é programa de índio, tá:-))
Mas eu acho, mesmo, que alguma força o nome tem, pois o meu foi escolhido por causa da Helena de Tróia e eu sempre me senti mais alta (quem me conhece sabe também o que isso significa) por conta de ter um nome que era de uma mulher poderosa...E ontem uma moça, de uns 25 anos, me disse que meu nome era antigo, que ninguém mais se chama Helena...e hoje eu me senti tão pequena e velha...Se o nome influencia, a falta de um valor para o nome, de um valor que a gente atribui ao nome, também influencia.
Até mais...
Helena
Parabéns Tabá!
Grande guerreiro!
Te mando um abraço e fico devendo o vinho.
maldita data esquecida
maldito capitão
malditos milicos
bendito raquitismo
bendito médico
bendito soldado de que nos livramos
bendito aniversariante
bendito vinte e cinco
bendita tua escritura
Abraço de apertar os ossos e aquecer o coração, Tabá.
Tabá: deixei meus cumprimentos no orkut e os renovo aqui. Bem que poderias ter sido um Engenheiro do Exército! Como disse o Aderbal, quem sabe a história do regime militar não tivesse sido outra... Um grande abraço e beijo, extensivo à Cleuza.
Feliz aniversario Irmao Taba! Tambem o nosso dia do casamento! Agora sou esposa do Ian, e posso chamar-me verdairamente Senhora Bartlett! Um dia para lembrar e celebrar para Eternidade!
Gostei da historia do soldade tambem!
Da tua irma inglesa
Senhora S Bartlett
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