sábado, fevereiro 04, 2006

Gosto discute-se?

O aprimoramento do gosto vem, na minha opinião, da observação de um número razoável do que está em julgamento.

Explico: numa visão apressada, a fase cubista de Picasso pode parecer maluca, arrogante, incomunicável. No entanto, se o apreciador tiver a oportunidade de visitar uma exposição do pintor, onde normalmente estejam expostas suas obras em seqüência temporal, poderá descobrir como ele chegou à fase cubista. O apreciador verá que, no início da carreira, Picasso fez esboços tradicionais, quase como um cartunista. Terá chance de apreciar sua "fase azul", onde há, para os gostos mais tradicionais, uma beleza clássica esperada. Assim, o visitante é convidado a embarcar no pensamento do artista e perceber como e porque ele resolveu distorcer a realidade de tal modo que pareça, num contato súbito, algo absurdo. Aí então decidir se gosta ou não.

Há um outro caso interessante: Alfredo Volpi pintou, no final de carreira, muitas bandeirinhas coloridas. À primeira vista pareceu-me algo infantil demais, simples demais, beirando ao retardamento mental. Coisa que qualquer criança poderia fazer com espontaneidade, pensei. Até que percebi o caminho que ele havia feito para chegar até ali, depois de algumas interações com a sua obra e a compreensão do seu desenvolvimento histórico. Compreendi o esforço que ele fez para recuperar sua espontaneidade infantil.

Digo isso, porque ando preocupado com o imediatismo, na música, na gastronomia, na vida...

Vi um documentário sobre vinhos, onde se fala da guerra de postura dos produtores europeus com os norte-americanos. Enquanto entre os franceses, italianos, espanhóis, portugueses, para ficar entre os produtores de vinhos mais reconhecidos, pensam em fabricar vinhos que devem ficar armazenados por até 20 anos para serem apreciados devidamente, os norte-americanos usam de tecnologia para desenvolver sabores "semelhantes" (enganadores) que fazem com que o produto seja consumido de imediato (leia-se 2 anos). Talvez a pressa norte-americana esteja relacionada ao trauma de uma possível guerra nuclear, fazendo com que esse povo pense que pode viver pouco e, por isso, deve apreciar o que pode no menor tempo possível. Talvez seja meramente predomínio econômico.

O que sei é que esse modo de vida imediatista está alastrado ao meu redor. Consome-se música sem a devida interação com ela. O resultado é o predomínio de música fácil, como o vinho fácil norte-americano, como as pinturas fáceis dos briques de fim-de-semana, consumidos sem o necessário número de interações e observações.

Gosto discute-se, sim. Deve ser perguntado ao oponente na discussão qual o seu conhecimento da causa. O quanto ele conhece da obra, do vinho para poder discutir.

Enfim, quanta educação ele recebeu sobre o assunto.

6 comentários:

esperanca disse...

E o pior é que esse imediatismo convence muita gente e a vida acaba ficando sem tempero. Essa civilização apressada não tem tempo para estudar uma obra, saborear um bom vinho, quero dizer, mas e a vida?

Anônimo disse...

Acho que é como tu disse: economico.Estamos bombardiados de coisas para consumir e não sobra mais tempo para contemplação, apreciar gostos diferentes... mas é bom saber que ainda tem "rebeldes" !

Anônimo disse...

GOSTO NÃO SE DICUTE

Gosto não se discute mesmo. Tergiversa-se, apenas. E ainda por cima num percentual ínfimo, num determinado grupo de indivíduos, mas sempre relacionados a algo que nos traga PRAZER.

Explico. A RELIGIÃO nos traz paz de espírito, a POLÍTICA nos traz esperança de melhor convívio social e o TRABALHO garante a nossa subsistência.

Não há o que discutir nestes casos. Colocar em discussão dogmas sobre Maomé, Jesus Cristo e Buda me parece com aqueles filmes mais antigos onde homens lutavam contra dinossauros.

Discutir Política? Talvez até 2005 depois de Cristo fosse possível.

Trabalho? Este assunto me cansa.

Agora, naquele grupo de indivíduos que apreciam um bom VINHO TINTO SECO, cabe tergiversar sobre a origem, tipo de uva, método de envelhecimento e transporte etc...Mas tudo leva ao prazer de degustar uma grande bebida.

Num grupo que aprecia BELAS MULHERES, tergiversa-se sobre o que seria melhor, atirar a Gisele Bundchen na cama ou ser jogado nela pela Ivete Sangalo, não mais do que isto. Seja qual for a forma, prazer na certa.

Agora, se alguem vier me dizer que FUTEBOL dá prazer, e consequentemente muita discussão, é porque o seu time nunca foi para a Segunda Divisão.

Saudações Tricolores!

Pedrinho Sacramento.

Anônimo disse...

Gosto discute-se,sim e não está relacionado somente com a cognição;os aspectos cognitivos,os conhecimentos da pessoa não fazem a diferença.O que vai influenciar mesmo é o amadurecimento pessoal,fruto da interação harmonica da coginição com a afetividade e a volição.As pessoas mais amadurecidas,mais saudáveis desfrutam mais e melhor da vida.Conhecemos cientistas,autoridades,referencias em seus seu ambienye científico que não conseguem ler um autor mais elaborado,que toque com mais suavidade os asuntos que escreve ou pinta ou esculpe.Haja vista a dificuldade que se percebe entre leitorequando se fala num Ulisses,de James Joyce...OswaldoJ.P.Barbosa.

Anônimo disse...

Acho que o quase-dogma "Gosto não se discute" é causa (conseqüência?) de muito conformismo, caretice, mesmice. Quem ouve serenamente "You make me feel brand new" pela milionésima vez na Rádio Universidade, ou "Me and Ms. Jones", ou... - a lista é imensa - certamente achará que gosto não se discute, como é doce esta rotina...

Anônimo disse...

Leyendo la historia del caroço me inclino a pensar que la historia de nuestra especie no ha sido muy edificante, aunque tal vez contarla, no importa si con la forma de una fábulo bien humorada, nos sirva para exociarla. Será que podemos aprender a vivir de una manera verdaderamente más humana?!