
Neste dia, minha sensibilidade estava exacerbada. Chorava com facilidade. Acordei cedo, chorando, seis horas da manhã, sofrendo em silêncio para não acordar a minha companheira. Estava com síndrome de abstinência.
Fui até o Teatro Municipal ajudar os colegas a desmancharem o cenário do dia anterior e carregar os objetos de volta. Quando cheguei lá havia o silêncio. O teatro estava vazio. Encontrei Miriam com uma expressão de melancolia. Desandei a chorar abraçado nela. Ela ficou me perguntando o que se passava. Não soube explicar.
Síndrome de abstinência.
Quando entrei na platéia, um alegre grupo de cerca de 50 crianças estava entusiasmado ensaiando uma dança ao som de “New York, New York”. Pensei na sensação que iriam ter se tudo der certo. Pensei na sensação que tivemos. Pensei que acabava de presenciar uma simbólica renovação da Vida. As estréias são como mortes, pois só acontecem uma vez. Mas, no dia seguinte, haverá um bando de crianças ocupando o mesmo lugar, procurando as mesmas sensações. Chorei mais um pouquinho para não perder a forma.
Síndrome de abstinência.
Quando voltei para casa, fui contar o que havia ocorrido para a família, minha companheira e duas primas. Não consegui falar. Deu um nó na garganta. Voltei a chorar.
Síndrome de abstinência.
Logo eu que queria me livrar de toda e qualquer dependência, que não fossem as obrigações familiares. Logo eu que dizia que faria aquela experiência, com aquelas duas peças, e depois não continuaria, pois, para isso seria necessário abrir mão de preciosa liberdade, voltar a obedecer a horários. Mas, posso explicar. Foram meses, muitos meses de ensaio. Na medida em que o tempo foi passando, as amizades foram de solidificando com rapidez espantosa, fui redescobrindo a necessidade vital de confiar no outro, de ser confiável para o outro. Se um ator esquece o seu texto, o outro fica em maus lençóis. No dia da estréia a tensão é coletiva. Medo de errar, medo de não agradar, medo de prejudicar o colega.
Mas, o diabo é que tudo deu muito certo, como uma seleção de futebol que faz bonito e ganha de goleada. Aí o público exagerou no carinho, os abraços, nos elogios. E era para o grupo todo. Os amigos estavam comovidos e diziam que tinham se surpreendido positivamente.
Foi então que a euforia tomou conta da gente. Foi então que conheci os efeitos das drogas. Fiquei viciado.
Naquela noite do dia seguinte, Ná Ozzetti cantou “Because” dos Beatles na minha TV, acompanhada por um pianista excelente e eu chorei sensibilizado.
Síndrome de abstinência.
10 comentários:
seu taba!
bom, creio entao que estamos todos sofrendo com isso. a crise da ausencia de vcs é enorme. ontem foi quarta, hj é quinta... e nada de eu ver vcs. sei que eu nao estava desde do principio, mas as coisas sao como disseste: a gente se torna amigo. revejo as fotos quase todos os dias, pra matar a saudades que venho sentindo. alem do trabalho que fiz, tenho saudades de ve-los todos no visor da minha camera me faz uma falta enorme.
quanto ao choro. me disseste que sou sinestesica... tb és. a sensibilidade anda na ponta dos pés, mas quando chega... chega forte! como os amassos do sandoval na dorinha em paqueta. de qq forma, e de todos os modos... estamos sim ligados, eu, tu, seu gg, miriam, frô... todos! infinitamente pq a memoria é assim, gentil e geniosa. dos amigos de fiz nesses meses, só posso agradecer: pelas risadas, pelos colos de pais e mães, pelas fotos... e claro, pelas lembranças.
Tabajara...
Sei lá porquê, mas com o tempo deixei de almejar algumas datas comemorativas, fazia isto na infância, acabei não percebendo quando tudo foi se modificando, e então passei a buscar outras emoções, comtemplar solitariamente as Artes visuais, e ouvir alguns dos meus discos de vinil, mas existe a certeza que é preciso muito mais, há tanta ternura, e sensibilidade além destes prazeres solitários... Graças á Deus conseguimos encontrar um pouco mais da alma de cada um no teatro, isto nos deixou mais humanos não é?
E que bom ser humano para sentir o quanto a vida ainda pode nos dar, mesmo em um tempo onde existem nuvens negras nublando confissões tão belas de encantamento.
Abraço!
Te abraço e choro contigo.
Carinho e admiração
eh...
realmente isso doi mesmo...
Taba:
Como te admiro! Consegues transmitir tudo o que eu gostaria de dizer nesta nova experiência da minha vida. Foi mais uma barreira a derrubar que me parecia impossível. Por fim o dia da estréia: medos, preocupações, desvelos, ansiedade. Depois o
prazer do triunfo com o reconhecimento de nossos
amigos e a grandíssima oportunidade de conhecer e conviver com pessoas solidificando amizades num ritmo acelerado; como tu dizes
Foi lendo teu texto (brilhante, como sempre) que me tornei mais consciente da falta dessa "DROGA" que compartilhamos durante nossos ensaios semanais .
EU QUERO MAIS!
Miriam Bengoa
De fato, tens todas as razões para esta síndrome. Conversamos sobre isto, sobre o vazio, mas deves lembrar que cada apresentação será sempre uma nova apresentação. O novo é o grau de exigência, que aumentará a cada "estréia", pois cada apresentação será sempre única. Tua síndrome é pela energia da vida! Mas não deixa que esta tristezinha do vazio seja superior ao prazer em receber os elogios, que devem continuar. Curte este momento, junto com o grupo, pois é merecido. Vale a vaidade e a falta de humildade neste momento. Foste supreendente! Engraçado como sempre, mas como foi para um público maior do que os "da família", pude compartilhar contigo tua emoção, compartilho também do orgulho por ser prima deste "único doce de Pelotas".
Amo vocês e reitero que vocês fazem a diferença na minha vida.
Obrigada por todo o afeto!
Cintia
Tabá,
morro de saudades de todos, da nossa energia, e quero muito estar com todos amanhã aqui em casa, pra gente matar um pouco desta saudade.
Mas eu não quero ficar só sentindo a falta de tudo de lindo que já fizemos...
Vamos fazer mais, muito mais!
Estamos aguardando vocês com ansiedade amanhã, por volta das 19:30. Minha casa é na Av. Atlântica, 323 (bem pertinho da SAC),
Beijos
Badá
Seja bem vindo na grande familia da scena!
A exitacao, a creatividade, livrar a sua vida toda antes de dormir, e soffrer de ficar sozinho quando o espetaclo acabou... Sinto muita falta dessas periodas! Gostei do teu texto!
(O meu blogo mudou de endereço, agora ta na: gnagnagnablablabla.blogspot.com)
O que dizer...
bom, terminei de ler teu blog pensando, que sorte a minha conhecer esse homem especial, daqueles que nos enriquece com suas experiências e emoçoes...
Nem todos os vicios sao ruins, sou viciada em chimarao, e sigo tranquila, curtindo minha "droga favorita"! Tem o cálice diario de vinho, que tambem nao gosto de dormir sem...
Eu queria muuuito que tu seguisse no teu vicio, deixasse de lado essa tal abstinência, deixasse a "fraqueza" fisica e mental falar mais alto e se entregasse ao menos a mais uma overdose teatral... queria ter te visto, queria ter estado lá...
abraços da grasi
Oi, Taba!
Só hoje, ao retornar de viagem, li o texto sobre a Síndrome de Abstinência. Acho que a droga é realmente poderosa e contagia, pois senti que estava viciada ao vê-los no palco, ao acompanhar cada cena já sabendo o texto na minha mente, e ao lembrar todos os momentos que passamos juntos durante os ensaios de 2006. Não consigo mais viver sem isso.
É um vício que não destrói, mas faz a gente renascer e acreditar na vida. Querido Taba, obrigada por hoje fazeres parte da minha vida! E viva o Teatro do Geraldo!
I'm in!
Beijos
Rube.
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