sexta-feira, maio 11, 2007

Trilha Sonora de Academia

Cada vez compreendo mais a maturidade. Compreendo que meu pai, com seus 96 anos estivesse desistindo de viver. Ele via seus valores se deteriorando e não podia fazer nada.

Senão, vejamos.

Para viver melhor e mais, entrei para uma academia. Sento numa bicicleta que não sai do lugar e a única paisagem que se move, além de bundas malhadas, é a imagem da Ana Maria Braga e do Louro José. Depois, levanto pesos em diversas posições, sem finalidade produtiva, a não ser a de produzir tonicidade muscular. E a trilha sonora costuma ser um baticum hipnótico. Eu e um amigo roqueiro bem que tentamos convencer o professor a enfiar pelo menos um Alice Cooper na programação, mas ele alega que se não for música imbecil o pessoal reclama.

Hoje estava excepcionalmente divertido por causa da trilha sonora da aula de dança. Mulheres de idades diversas praticavam, em outro ambiente, uma estranha coreografia, com a finalidade de acompanhar um ritmo que desconfio ser o que chamam de Axé. A moça que cantava a maravilhosa trilha dizia letras sensíveis de alto nível: “Quero beijar tua boca. Vou me enfiar no céu da tua boca.” Sutil e poético. Vejamos: a rima de boca com boca não é de todo tolinha, uma vez que no beijo as bocas se encostam. Ao querer enfiar-se no céu da boca do parceiro, a composição remete ao famoso beijo de língua, inventado na França, europeu, portanto de excelente qualidade intelectual, como se sabe sobre tudo que vem do Velho Mundo. As mulheres rebolavam e mexiam as mãos como odaliscas modernas, imitando a professora, que as dirigia com pulso firme e determinação. A professora magra vestia, com muita originalidade, uma blusa que lhe deixava ver a barriga, que, notei, no entanto, saliente, apesar da malhação. A música seguinte que coreografaram, falava de querer beijar. Por que ensaiar músicas de beijo sem os parceiros homens? Por que a professora não incitava a criatividade de movimentos e padronizava a dança?

Enfim, essas perguntas passavam pela minha pequena cabeça, enquanto meus ouvidos vibravam ao ribombar dos tambores baianos.

Ana Maria e o Louro José, para quem não sabe apresentadores de um programa matinal na televisão (tenho leitores estrangeiros, ora essa) – este último sendo um papagaio de pano, de gênero duvidoso – mostravam a visita do Papa ao Brasil. Lá vinha o pobre homem numa cristaleira blindada, velho e alquebrado, abanando constantemente para pessoas que ele nunca iria conhecer, sendo consumido por uma multidão de fiéis, ávidos pela sua aproximação, num tratamento de superstar católico.

Ao terminar a aula de Axé, não pude deixar de notar o grande silêncio que se estabeleceu no ambiente. Com o Papa na TV não pude deixar de pensar em Céu e Inferno. Qual será a trilha sonora do Céu? Será realmente a música erudita, como sugeriam as programações de rádio, na minha adolescência, nos dias de finados? Morreu, dá-lhe música clássica? Nesse caso quem quiser ser moderninho, dançar e ouvir Axé deverá ir para o inferno? Faz sentido.

Estava eu quase chegando à conclusão que o tal Axé era a música dos infernos, quando a professora de dança postou-se em frente à televisão e exclamou, comovida: “O Papa está dando a benção!” e cruzou as mãos sobre o peito para ser abençoada. Eu, que estava deitado embaixo da televisão, recebi a tal benção invertida, com o Papa de cabeça para baixo. Vi aí um simbolismo inevitável e compreendi. A professora abençoada escapava. Eu, pecador, estava excomungado! Minha sina seria ir para o inferno, onde iria ouvir Axé para o resto da eternidade. Adeus Beatles, adeus Tom Waits, adeus Ry Cooder, adeus Amadeus, adeus Renato Teixeira, nunca mais Adoniran, nunca mais Pauline Julien, até mais ver Pink Floyd ...

Pensando nessa possibilidade, decidi sair hoje à tarde disposto a comprar um catecismo.

Pode ser que ainda dê tempo.

Credo! T’esconjuro!

20 comentários:

Anônimo disse...

Taba querido!
Li seu blog com a Mara e demos verdadeiras "gaitadas", os dois!

Anônimo disse...

Não vou fazer comentário. Tô esperando o "teu comentário" sobre meus "Transbordamentos"... enviado por e-mail... e ponto

Anônimo disse...

Tá genial. Adorei. Compartilho e celebro. Gostaria destacar, sobretudo, como a crítica inteligente e bem humorada, essa tal de sátira que nunca vai morrer nos faz bem, ajuda a mudar alguma coisa, embora ainda seja somente na cabeça. Mas, me pergunto, não é por aí que as coisas começam a mudar?
Aleluia!!!

Aimée Gonzales Bolaños

Celso R. disse...

Muito bem, legal, é necessário criticar e até satirizar a música "imbecil". Só tem uma coisa: mesmo que Você estivesse embaixo da televisão, não haveria como "ver o Papa de cabeça para baixo", a menos que, das duas uma: a própria TV estivesse de cabeça para baixo; o Papa estivesse de cabeça para baixo na TV. Tentei uma experiência mental procurando uma terceira hipótese: Você mesmo de cabeça para baixo, embaixo da TV. Bom, mesmo com as mais bizarras visualizações de sua pessoa com que me agraciei, em todas elas Você continuaria vendo o Papa de cabeça para cima. No mais, feliz Dia das Mães para todos e todas.
Sds,
Celso R.

Tabá disse...

Celso:

Experimenta esta posição: deita embaixo da TV, num colchonete, com a moleira de costas para o aparelho e olha para cima. Verás o Papa de cabeça para baixo. Juro. Qualquer coisa tenta o Kama-Sutra.

Anônimo disse...

Taba: melhorou o meu astral com a leitura.
Não conheço o sr. Celso mas: ô Celso, mais alegria.

Tabá disse...

Geraldo: Fico feliz de te fazer rir com a patroa. Ainda faremos rir à cidade.

Sandra: Já me redimi. Mandei um comentário.

Aimée: fico bobo e vaidoso com os teus comentários. Obrigado.

Caro Anônimo: Identifique-se para eu poder ter o prazer de saber quem és. No mais, o Celso é um tremendo gozador, só que parece sério e engana todo o mundo. Eu é que não.

Anônimo disse...

Caríssimo!!! Ao ler a "trilha sonora.." me reportei no tempo e me vi entre as tais senhoras que sacudiam freneticamente, impulsionada por uma ordem médica de que as mulheres depois de uma certa idade precisam combater o fantasma da osteoporose com exercício. O exercício representado pela dança, embalado por estes ritmos frenéticos, na época me pareceram a minha única opção. Não fosse o esforço para não ver os ossos fraturados num futuro próximo eu teria cortado os pulsos!! Obviamente nunca me senti tão ridícula dançando ao som de letras absolutamente idiotas, com as tais rimas geniais em coreografias que mais pareciam um arremedo de qualquer tentativa de graça sem graça nenhuma. Tentei levar a coisa com este sentido médico/científico mas não consegui. Desisti do axé e fui fazer body combat, muito mais compatível com a minha natureza (ah! ah! ah! para aqueles que me conhecem!!!!)

Ana Baisch

Anônimo disse...

Aquele "ponto" na verdade são reticências...
Redimido, amigo Tabá.
Só de pensar em Louro José, A. M. Braga, Axé Music, Papa e bundas malhadas... me contorço de rir.
O que nos proporciona a tentativa de uma vida saudável, hem?
Bjos

Anônimo disse...

OPS!!!
Percebeste que a Anônima sou eu, né?

Tabá disse...

Ana: nunca te imaginei rebolando ao som do Axé! Pagaria ingresso para ver!! Body Combat foi sempre a tua praia, chuarzenegra...

Sandra: Tô redimido entonces. Tu és a outra anônima também?

Anônimo disse...

Taba, O que entendi de teu relato foi que o Papa mostrando a bunda malhada, deu a benção para a A. M. Braga em forma de Axé Music, com o Louro José pousado em seu ombro.
Tô certo?
Abraços,
Galli

Anônimo disse...

Ae Tabajara, muito bom os comentários afinal compartilhamos do mesmo problema...sorte que não precisei atura a profª vendo o Papa(já tinha ido embora)...e pior que aquelas músicas são do inferno mesmo, porque o CD com músicas decentes que eu gravei pra leva me roubaram.

Tabá disse...

Galli: pô! tu não entendeu nada - inda é bagacêro...

Henrique: Unidos Venceremos! Alice Cooper num dia, no outro Metallica!
Ou então montamos nossa própria academia só para roqueiros...

Anônimo disse...

Fui anônima sem querer na hora de publicar o depoimento... só naquele do ponto e das reticências.
Já percebeste que não sou muito de anonimato, né?
Até!

Anônimo disse...

Adorei! Tenho em frente de casa uma Academia que me submete ao bate-estaca. Se fosse axé, penso que seria um pouco mais suportável. Ainda tenho direito ao funk - este sim é um deleite só: se prestarmos atenção às letras, vamos ao delírio. Conforma-te, pois tu frequentas a academia e eu sou obrigada a ouvir, sem escolha.
Abraços
Cintia

Anônimo disse...

Oi Tabajara,

Se um dia abrires uma academia só para roqueiros me avise.
Por enquanto a música é uma das coisas que me mantém fora delas.
Abraços,
Giovana

Unknown disse...

Dindo! Dindo!!
Eu conheço a música que tu falaste! Eu tbm já dancei essa música na aula de aeróbica! Mas eu acho que tu entendeste errado pois a letra diz "eu vou enfiar uva no ceu da tua boca..." Enfim super instrutiva e educacional!
Eu acho que o newgocio de frequentar a academia tem que ser um grande exercício de abstraçao mental do meio que te cerca, senão vc vai ficar louco mesmo! Até pq o pior nem chega nas academias, lá só toca o top!!
Beijão!

Unknown disse...

Tabá
Fiquei muito feliz por teres lembrado do Adoniran e do Renato Texeira, para tua academia. Quando abrires uma, até frequentarei e assim talvez, fique mais magra que a "mana" novamente. Adorei o comentário do Gali....
Beijos

Odi disse...

Taba.

Acho que o inferno, pode ser, é aqui...
" Minha sina seria ir para o inferno, onde iria ouvir Axé para o resto da eternidade"