quinta-feira, março 22, 2007

Sobre argumentos definitivos ou De como não me tornei marxista.

Meu amigo Galli conta uma anedota que presenciou em seu tempo de estudante secundário. Numa aula no Colégio Gonzaga um estudante levanta e diz para a turma e para o professor:

- Eu sou burro. Mas esse cara aí é muito mais burro do que eu...

O acusado ficou furioso, mas não pode fazer coisa alguma, já que o outro iniciara a afirmação com o que chamo de “argumento definitivo”: de que ele próprio não era inteligente. Ninguém poderia contestá-lo quando afirmava isso dele próprio. O outro até poderia tentar argumentar que, sendo ele burro, como ele mesmo admitia, como poderia ter razão e inteligência para essa percepção? Mas esse argumento seria muito complexo para pessoa de pouca inteligência e, a essas alturas, a turma estava delirando com a cena, impedindo qualquer diálogo razoável.

Recentemente, numa discussão, aleguei que a falta de solidariedade humana, a falta de empatia, o desamor para com o próximo, próprio dos egoístas e egocêntricos, faria de nós seres humanos menores, canalhas e fdp. Meu opositor iniciou seu argumento dizendo que sim, ele era um fdp egoísta. Um argumento definitivo. Quem seria eu para rebatê-lo? Quem o conhece melhor do que ele mesmo? A partir deste ponto não houve mais discussão, pois qualquer argumentação seria invalidada pela premissa do oponente.

Foi por causa de um argumento definitivo que não me tornei marxista.

Corria o tempo da militância sindical universitária, onde grandes discussões político-filosóficas tinham lugar em assembléias, prolongando-se por altas horas em bares, utilizando o tempo parado do movimento grevista. Foi numa dessas horas que um colega que se dizia marxista resolveu tirar-me a profunda ignorância em que eu vivia, iniciando-me nas idéias de Karl Marx. Ofereceu-me uma espécie de cartilha, um livro para principiantes.

Como é da minha formação a experiência e a compreensão de idéias, aceitei, sinceramente, de espírito aberto. Procuro ficar neutro com respeito a novas idéias, procuro não pré-julgar, já que tenho comigo que este é o melhor meio de aprender: o de mergulhar com profundidade sincera no que se está aprendendo. Como dizem Fagot-Lobel & Neyt: a melhor maneira de não aprender algo, é associar o que se está aprendendo ao que já se sabe. Quando alguém começa a dizer muito “sei” e a fazer associações sobre o que estou dizendo, percebo logo que terei que me esforçar mais para explicar o meu ponto de vista, uma vez que o ouvinte está apenas reforçando o seu próprio ponto de vista sobre o assunto e não está procurando entender o que digo.

Assim que fui para casa me tornar marxista. Abri o livro e li (juro):

Deus não existe.

Fechei o livro e devolvi no dia seguinte. Não porque, assim, não mais do que de repente, eu tivesse sido iluminado pela fé e me tornado um crente. Mas é que eu havia enfrentado um argumento definitivo. Ora, pensei eu, o sujeito que escreveu este livro não pode provar a primeira frase basilar, a frase sobre a qual irá construir o restante da argumentação. Então, não há o que discutir com ele. Sobre essa premissa, que não iria provar, ele poderia construir o que quisesse, ensinava-me a velha formação de engenheiro que eu havia recebido.

Sobre um sinal trocado, equivocado, numa equação matemática, o pobre aluno poderia chegar a um resultado estapafúrdio. Pelo menos foi o que me pareceu, quando calculei a iluminação de um pavilhão industrial, numa prova de Eletrotécnica e encontrei o resultado de... 0,8 lâmpadas...

O Selby, afinal, tinha razão em me deixar em exame de segunda época.

Ou não.

13 comentários:

Anônimo disse...

Tabajara: gostei de seu texto. Ao contrário de você, qua jamais foi, houve tempo em que pensei que era marxista. Vai longe esse tempo. É que, herético, andei lendo outros textos, como os Ensaios, do Darci Ribeiro, no qual, paradoxalmente (explico: o Darci abeberava-se em tais águas), encontrei uma luz que me conduziu a outros mares: o pensamento de Anísio Teixeira (aquele, da Escola Nova), por exemplo.
Pois bem, segundo Darci, Anísio teria dito ou escrito (estou citando de memória, que às vezes falha) o seguinte: "não tenho compromisso com minhas idéias: busco a verdade". De pronto, levei um susto. Como é possível alguém não ter compromissos com suas próprias idéias? Logo compreendi que que somos prisioneiros de nossas crenças, ilusões e opiniões (fiquemos por aí ...). Então, não parei mais; senti-me alforriado dos esquematismos e consegui lidar com meus próprios demônios e a não temer os dos outros. Gostei tanto daquela frase que com ela enfeitei o último parágrafo de minha dissertação, no já longínquo 1989 - dissertação esta em que consta um agradecimento a ti, por teres me orientado na parte de Estatística ...
Abraços

Karen Lose disse...

Taba...será que não aceitas o Darwinismo também?? Fiquei preocupada agora! Porque o Darwin também nega a existência de Deus veêmentemente!! hehehe! É brincadeirinha...só não aguentei a piadinha infame!
Gostei muito do texto...e confesso...vou começar a usar alguns argumentos definitivos quando não quiser discutir com alguém! Porque discutir é bom...mas às vezes cansa da nossa beleza! beijocas!

Anônimo disse...

É de madruga, estou com insônia...e só pra variar tô dando risada sozinha, enquanto leio seus artigos !!! Na verdade o dos golfinhos eu quase me matei rindo... e já que é a hora da verdade eu bem que não gosto dos argumentos definitivos. Mas como disse Sócrates (eu acho): "O homem não só ignora como ignora que ignora" só rindo...
Um grande abraço!
Sandra

Unknown disse...

Oi, Taba,
ao contrário da Sandra, que o leu de madrigada, eu iniciei uma sexta-feira (hoje), às 06 horas, lendo teu texto, que me chegava com um amanhecer róseo. Novos. Definitivos.
Ex-ótico do senso comuns "sobre argumentos", tua escrita encanta, espanta o sono e diverte.
Valeu, cara; ou melhor: vale sempre!

Tabá disse...

Claudio Omar:
Bebi em águas mais mundanas. Aprendi com o Raul Seixas a ser essa Metamorfose Ambulante ( e não ter aquela velha opinião - minha mesmo - formada sobre tudo). O que me parece o mesmo que disseste. Tu dizes com mais elegância e inteligência. Perdemos tempo não nos dando. []s.

Karen:
Por enquanto acredito na Teoria da Evolução. Mas não sou darwiniano, porque detesto rótulos (ver opinião acima e o nome do meu programa de rádio)e porque a palavra justifica, no senso comum, o egoísmo de muita gente. Ainda creio que Darwin não partiu da premissa da inexistência divina, mas concluiu isto depois de um tempo.
Mas aceito a piada, é claro. Bjs.

Sandra:
Isso da risada é o melhor elogio para mim. Fazer rir derruba ditaduras. Mas filha é suspeita. BBBBjs.

Hilda:
Se encanto a uma pessoa como tu, começo a ficar vaidoso da minha qualidade. Se te divirto, começo a justificar minha escrita semanal. Se te espanto o sono, passo a ser inconveniente...

Anônimo disse...

Querido Taba

Me parece mais que tens usado a Navalha de Occam para desmestificar os tais argumentos definitivos ...

Unknown disse...

Tabá: li e gostei. é definitivo.

Anônimo disse...

Justamente por já ter transitado por alguns terrenos ideológicos, ter-me enamorado de idéias e argumentos, princípalmente no aspecto político, sinto-me inclinada (depois de umas tantas bordoadas) a duvidar das grandes verdades, de seu absolutismo. Hoje busco desestabilizar-me, desestabilizando a "normalidade" e a "mesmice"... quem sabe das trevas não se faz a luz????? Contemporaneamente medieval, não?
Bjão

Anônimo disse...

Tabajara, você é perigosamente observador, cuidado para não calar todo mundo, olhando por de trás destes óculos e ouvindo com uma atenção exacerbadamente perfeita, o primeiro trecho do texto deixa tal evidência escancarada, és o homem que assasina qualquer possibilidade de desperdício de aprendizagem com o ser humano, e aí eu me pergunto:
Qual é o lugar dos sábios?

Anônimo disse...

ARGUMENTO NUNHUM



Há um equívoco. Não se trata de um argumento. Pelo menos, não tecnicamente. Pode ser uma estratégia de retórica, mas certamente não é um argumento.

E digo mais, é uma estratégia de retórica um tanto equivocada.Se, de saída, o sujeito afirma que seu interlocutor é burro, então pode-se questionar que tipo de inteligência busca dialogar com um burro. Neste caso, o argumento se volta contra o ofensor. Na verdade, os grandes mestres da retórica jamais começariam ofendendo o auditório. Pelo contrário. Eles sabiam que o caminho do convencimento amiúde passa pela adulação.


A premissa não é paralisante e dela não decorre nenhuma conclusão necessária (coisa que sempre deve acontecer em um argumento). Do fato de alguém se achar burro não decorre que outro seja mais ou menos burro. Não racionalmente. Em todo caso, não se tem ainda nenhuma verdade comprovada.


O argumento definitivo não é um argumento, ainda que possa ser uma opinião definitiva. No entanto, não está fundada em um raciocínio.

Acho melhor reveres tua posição sobre o marxismo. Apesar de que, quem não leu "O Capital" - obra capital - não deveria gostar ou deixar de gostar de marxismo. Há que ser honesto com os autores.


Em tempo: Marx negava Deus para que as pessoas não ficassem esperando recompensas em outro mundo,enquanto neste, alguns fazem a festa.


Sobre mim: Sou Natanael, um pentelhão dentuço, alegre e dialético. Um tipo para lá de estranho!

Rodrigo plei disse...

É Taba.

Sei bem o que queres dizer por argumentos definitivos.

Nos meus quatro anos de forista sobre a questão teoria da evolução vs. criacionismo bíblico na internet, cansei de ouvir a mesma ladainha criacionista, na forma desses tais argumentos. Coisas do tipo: o gênesis é literal, o mundo foi criado em sete dias, o homem feito de barro, a mulher de costela e todo mundo vivia feliz em um jardim encantado (afinal, está escrito na bíblia, não está?), quem aceita a evolução é ateu (não está na bíblia, mas o pastor falou no culto e, oras bolas, como um (sic) "homem ungido por deus" pode estar errado?) e por aí vai. São todos "argumentos definitivos". Na realidade, nem argumentos são: tratam-se de falácias. Encerra-se o debate, não há mais perigo de ser questionado. Minha verdade está (por hora) protegida dos inimigos.

Na realidade, o argumento definitivo é uma forma de ultra-hiper-super-discunforça proteção. É como se a pessoa não suportasse qualquer tipo de questionamento sobre sua posição e entrasse em um bunker.

Mas o interessante é que para esses fanáticos, o que importa é atacar a ciência, tendo a TE apenas como um bode espiatório. Provar a veracidade da bíblia, necas de pitibiriba. Para eles tudo é claro como cristal. Como esperar que um cientista come extensa formação universitária não veja a verdade bíblica.

Cientista com extensa formação universitária? Hum. Coisa do capiroto, só pode...:-P

Abz!

Plei

PS: Usei o exemplo dos criacionistas literais como exemplo, mas entenda-se que o uso indiscriminado de argumentos definitivos permeia todas as esferas (vide o exemplo Marxista do Tabá...

Tabá disse...

Betito: Sobre a Navalha de Occam (se há várias explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples), talvez eu faça isso sem querer, por conta da minha formação. Juro que não quero usar a Navalha em ninguém...

Aderbal: se tu gostaste, está definitivamente bom...

Sandra: Tua inquietude, tua auto-crítica, é a tua inteligência.

Alisson: logo TU querendo me falar de senso de observação!? Ora, vá! Me conta TU: qual o lugar dos sábios?


Nata: Vamos combinar: TU abres um blog e EU irei participar só criticando, nunca elogiando, com bastante mau-humor. Só participarei das postagens em que EU tiver alguma crítica para fazer e serei omisso nas outras. Serei um pentelhão careca, não-dentuço a te incomodar. Dar-te-ei lições óbvias do alto da minha sabedoria, só para poder aparecer. Quando TU fizeres uma piada, finjo que não entendo e tento explicar, só para tirar a graça. Mas, aviso-te, vais acabar querendo me banir dos comentários. Que tal?

Rodrigo: adorei (como sempre) a tua argumentação e o teu jeito espontâneo de dizer. Uma vez, durante uma aula, um estudante me disse que acreditava em verdade absoluta (era um crente religioso). Fiquei com pena dele, porque percebi que ele não tinha mais o que aprender. Acreditar em dogmas, não duvidar, deve ser destruidor.

Anônimo disse...

Alô, Tabá!
Vou começar com algo definitivo. Eu gosto de ti. Êpa, êpa! Como ser humano, meu caro Tabá! Como ser humano.Tenho que tomar muito cuidado com as palavras. Elas tanto constroem como destroem, já o citava o fabulista. Quanto ao ato declaratório de eu ser um fdp, peço que releias o teu texto e nele, definitivamente tu o colocas bem claro.Quem não sente o que tu sentes pelos necessitados é um fdp. Portanto, a argumentação definitiva partiu de ti, eu apenas, como não me senti ofendido por ela, apenas corroborei. Não é a minha opinião sobre mim mesmo, mas a tua sobre os seres que não trafegam com os teus sentimentos. Longe está em eu me ofender com o quer que digam ou pensem de mim. Filosoficamente compreendo que, se alguém me julga como um ser destituido de virtudes, duas possibilidades são reais. Ou sou o que ele diz e não há o que discordar, ou então, o que ele diz não tem substância real e, portanto, há somente um equívoco por parte dele. Qual a razão de eu me incomodar por isso? Por que discutir, então? O que me chamou a atenção no texto foi o que havia nele de comum. O sofrimento humano. Daí eu ter me expressado com alguma ironia. Penso eu que há uma forte corrente que se entrega de amores pela desgraça humana. Trato isso como "expressar as emoções negativas". É o esporte mundial. Onde quer que estejamos nesse planeta e lá estará o esporte mundial sendo praticado. Temos enorme dificuldade em expressar emoções positivas. Percebo isso até em conversas de bar, onde alguém conta um acontecimento trágico e logo aparece um outro que tem uma história mais triste e assim vão afirmando até atingirem o ápice. A morte de uma comunidade. De uma simples fratura chega-se ao genocídio. É um exercício. Sempre alguém estará disposto a contar uma história mais triste. Foi isso o que me chamou a atenção em seu texto e suas divisões. E eu não estou fazendo nenhum julgamento definitivo sobre os teus sentimentos. Sei que é apenas um momento em teus devaneios. Mas o achei curioso. Eu, por minha parte, penso que ganhei o maior presente possível que é a minha vida. Não sei como ela surgiu, como eu vim parar aqui, mas os meus pensamentos e sentimentos são de gratidão. Com tudo o que possa ocorrer nessa trajetória existencial. É uma experiência que eu gostaria que nunca acabasse. Perceber que eu percebo. Entendes?
Fazer parte desse universo que está muito longe das minhas possibilidades intelectuais, emocionais e físicas. Que coisa extraordinária. E nele esse grande mistério que é o ser humano. Cada um construindo para si um universo paralelo ao real. Mas com a sensação de que o único universo que existe é o que construiu para si mesmo. É o princípio da incomunicabilidade. Se não podes estar em acordo com o que penso, sinto e percebo, então tu estás equivocado. Isso tem provocado guerras, mortes, destruição, sofrimentos, etc.
Ao perceber, não com os sentidos, mas com a delicadeza do que chamamos alma, que todos estamos envoltos nesse mistério, então começa a fazer sentido o que chamamos de amor. Pouco me importa que tu sejas negro, judeu, mussulmano, ateu, grego ou troiano. Pouco importa que tenhas castelos ou moras num barraco. Há um ser humano com todas as possibilidades, com todo o potencial que reveste as criaturas humanas. É nisso que coloco minha atenção, meu caro Tabá. Cada ser humano com sua trajetória existencial. Por que uns têm mais e outros menos? Nâo sei te responder. O que sei é que ganhei uma vida e pela qual tenho responsabilidade. Fazê-la crescer o mais próximo da própria potencialidade que a reveste. Ainda que as circunstâncias possam me favorecer, tudo depende de mim. Quando nos colocamos como guias de outros, estamos cometendo alguns erros fundamentais. Primeiro deles, admitir que sabemos o caminha a seguir. Segundo: colocar a pessoa num nível inferior.Colocá-la sob nossa dependência. Isto não significa que devemos deixar cada um ao Deus dará. Poucas pessoas se tornam insensíveis diante do sofrimento alheio. Mas o que podemos fazer é tão somente aliviar as condições básicas de sobrevivência. A fome, a sede, o frio. Estes são visíveis para nós. Mas a necessidade que vai na alma de cada um nos é um mistério. Aproveito para contar mais uma história sufi. Se assim me permites.
Um passarinho era muito amigo de um cavalo. Viviam a trocar confidências. O prazer maior que cada um sentia era o de atender os desejos do outro.
Um dia, o pássaro voou para um sítio distante e, ao encontrar uma relva verde majestosa, um campo maravilhoso num vale, ficou exultante e voou o mais rápido possível para contar ao fiel amigo. "Você tem que vir comigo, agora" disse o passarinho excitado. "Mas descanse um pouco, meu caro. O que aconteceu para ficares assim todo agitado?" - respondeu o cavalo, também impaciente diante do comportamento alterado do amigo. "Encontrei um campo com relva abundante, verdejante e, ao experimentá-la, ví que estava diante do manjar dos deuses. E pensei no prazer que isso te traria. Vamos imediatamente para lá". Disse o pássaro, agarrado às orelhas do cavalo para que este não perdesse palavra. O cavalo pediu ao pássaro que se firmasse em suas crinas e partiu em disparada para o lugar onde o seu amigo dissera ter encontrado o manjar dos deuses. e, para seu espanto e alegria, lá estava o paraíso. Um vale de ervas que esvoaçavam ao vento, verdinhas e cheirosas. O cavalo galopou na direção do prazer e se atirou com sofreguidão ao manjar. Nem chegou a comer duas bocadas e...... caiu fulminado, envenenado pelo vegetal.
Tenha um glorioso dia, meu caro Tabá.