
Penso que nós todos somos viciados em algo. Há os que são viciados em música, ou em comida, ou em drogas, ou em cinema, ou em futebol, ou em sexo, ou em apostas, ou em magreza, ou em compras, ou em poder, ou em MP3, ou em tudo isso junto.
Somos viciados quando somos compulsivos com relação ao objeto de desejo, fazendo tudo para obtê-lo, a qualquer instante, sempre, a qualquer preço. Quando viciados somos egoístas, pensamos apenas em nosso próprio prazer e não nos interessa muito os outros.
Há vícios relativamente saudáveis, às vezes chamados de hábitos ou manias ou hobbies, entre os quais incluo, não sem interesse pessoal, colecionar músicas e filmes. O colecionador é um compulsivo, com mania de juntar todas as peças da coleção, pelo simples prazer de conseguir isso e mostrar aos amigos. Talvez seja um ancestral instinto de caçador. Se perguntado sobre o que fará com sua coleção no futuro, ele entra em choque: “Futuro? – Quer dizer que não é para todo o sempre?!”. Embaraçado, admite a hipótese de legar seu tesouro ao bem público ou à família, seriamente desconfiado que este não seja devidamente apreciado ou tão bem cuidado. Tal vício dá prazer ao viciado, mas ao mesmo tempo, produz prazer em outras pessoas com quem ele convive. Defeito haverá quando ele envidar esforços e recursos em adquirir seu objeto de paixão sem levar em conta os que o cercam. Tal como os drogados.
Há vícios que redundam em deterioração física e mental para o viciado, causando dependência: como as drogas lícitas e ilícitas. Neste caso o viciado, além da compulsão psicológica dos colecionadores, da conveniente fuga psicológica de seus problemas de relacionamento, fará qualquer esforço para obter a droga da qual depende, uma vez que o organismo reclama também e não só a mente. Considerando o egoísmo natural dos viciados, pode-se imaginar como agirá para conseguir seus recursos. Os jornais e revistas estão cheios de exemplos.
O viciado sempre pensa que pode parar quando quiser, que sua compulsão está sob seu controle e a dose que necessita está estabilizada, podendo experimentar mais uma vez sem problema algum. E compra mais um DVD. E toma mais uma dose. E baixa mais um MP3. E fuma mais um cigarro.
Para mim os maiores problemas da dependência química são, além da deterioração física e das doenças incuráveis: 1) a supressão da produção da própria felicidade – o organismo passa a “entender” esta felicidade comprada, ingerida, injetada, como uma dispensa do seu esforço de produção; 2) a colocação nas mãos de outra pessoa da própria felicidade, a perda da autonomia – é preciso um fornecedor, é preciso comprar o prazer, é necessário um produtor externo, que passa a fazer as escolhas por nós e tem poder sobre nós, seja um traficante, ou uma farmácia, ou uma indústria. Então não há problemas se a pessoa aprender a produzir sua própria droga? Claro que há: ainda vale a regra 1 antes citada, ainda vale levar em conta a falta de controle causada pela compulsão, o aumento da deterioração física, mental e social. Ainda vale lembrar que os problemas individuais a que escolhemos nos submeter – ou até mesmo a nossa morte, que é terrível para quem fica – têm efeito direto nos que nos cercam, em quem nos ama.
Acho que é impossível viver sem vícios. Eles nos trazem a segurança da rotina, nos dão o prazer da diversão e a sensação de poder.
E eu prefiro continuar viciado em música, em filmes, em livros.
E ando pensando em aprender violão, fotografia e a escrever, ou seja, em produzir a minha própria droga.
3 comentários:
Nestes dias de férias, tenho me drogado muito com contatos afetivo-familiares, com primos/primas, amigas, e penso que posso concluir que sou uma "prima(o)/amiga-dicta", minha droga é o afeto dessa gente querida, são as risadas intermináveis de tirar o fôlego que me energizam para a vida, , para viver coisas que nem sempre são leves como eu gostaria.A sensação que tenho após muitas e boas risadas é justamente a de torpor, aquela molezinha gostosa típica de uma ressaca. Uma vez me disseram que eu era "família-dicta". Hoje digo: minha adicção é mais ampla, pois é de uma troca de afeto/energia que às vezes é mais saudável do que o contato estritamente familiar. Este é meu vício, do qual NUNCA pretendo me curar !
Cintia Ribes Pestano
Oi, Taba, gostei muito do texto, nos faz refletir em que somos viciados. Acredito que me viciei em ter sempre objetivos, saber classifica-los e ir até a conclusão. Sem medo de ser feliz e dos obstáculos a desafiar.
Dizem que esse "vício" em colecionar coisas e ficar juntando inutilidades é por causa da "fase anal" mal resolvida.
Explicando para que alguém que passe por aqui e leia não interprete mal: fase anal seria uma das supostas fases do desenvolvimento da psique humana, que vem logo após a fase oral, onde a criança, ainda muito nova, começa a controlar suas funções excretoras.
Eu mesmo passei por uma fase onde tinha mania de juntar de tudo, desde ferramentas até mesmo (pasmem!) caixas vazias. Foi necessário perder todas essas coisas duas vezes para perceber o quanto elas eram sem significado na minha vida.
E assim é com as mp3, assim é com os livros...
Já tive o equivalente a 3 armários repletos de livros, mas um dia percebi que haviam aqueles livros que eu li uma vez e nunca mais me interessei, pois apenas saber o "todo" da estória já me bastava, e tem aqueles poucos livros que gosto de ler, reler, ler novamente, dar uma espiadinha, ler mais uma vez...
Dizem que o Steve Jobs morou boa parte de sua vida em um apartamento vazio, só com o mínimo necessário para sua habitabilidade, mesmo o seu computador ficava no chão. E nessa configuração de ambiente ele encontrava a paz necessária para se concentrar.
No final, o que realmente importa é o que conseguimos colecionar em nossas mentes: nossas experiências, nosso aprendizado, nossos conceitos (que não devem ser imutáveis, mas sim dinâmicos, constantemente refinados)...
Ninguém poderá nos tirar essas coisas, elas não podem ser vendidas, no máximo podem ser multiplicadas: seja por meio da educação de um filho, da troca de experiências com um amigo, do ensino praticado por bons professores (que estão dispensando aos alunos aquilo que possuem de mais valioso), ou por meio de um blog - meio interativo por onde as visões de mundo podem ser compartilhadas e discutidas.
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